Salada temperada e ovos mexidos
Em setembro de 1993 estreou o seriado Frasier nos Estados Unidos. Entre 1989 e 1997 viajei muito para a terrinha de Tio Sam, na maior parte do tempo fazendo cursos em tempo integral que iam de protocolos de comunicação de dados a sistemas operacionais de processamento paralelo massivo, tolerantes à falhas (alguns deles baseados em Unix). Eu já era assinante da AOL (America Online), acessado por linha discada. No Brasil, desde 1985, eu assinava a BBS Canal VIP, do amigo Paulo Cesar Breim. Tanto a AOL quanto o Canal VIP, ali por 1993, já forneciam um acesso à Internet, bem longe da velocidade e riqueza de recursos que temos hoje. O mais perto que tínhamos de redes sociais era a USENET News.
Depois de duas semanas bem agitadas, no final de semana mais recente eu decidi "desligar". Ainda que usando a internet como meio para eu assistir TV (e, em grande parte, deixar a TV me assistir), resolvi maratonar o seriado Frasier e, pasmem, terminei a primeira temporada.
Frasier tem um programa de rádio na cidade de Seattle, onde oferece conselhos psiquiátricos aos ouvintes. De uma maneira ou outra esses problemas sempre têm alguma similaridade com os que ele passa com sua própria família divertida, disfuncional e cheia de brigas e amor. Como sou fã de rádio, lembro que o seriado me pegou por esse lado. Mas me pegou também por ser um spin-off de Cheers, outro seriado que eu ainda gosto muito. Há quase nada de referência à tecnologia em Frasier. Ele mesmo mal lida com a tecnologia que há na rádio. Perto do final da primeira temporada Frasier e seu irmão Niles resolvem escrever um livro em conjunto e aí aparece o primeiro laptop, muito parecido com aquele no qual eu instalei o sistema operacional Linux pela primeira vez, ainda antes do seriado estrear.
No final de semana anterior eu estava no Lami, hospedado em um antigo seminário, hoje pousada, celebrando o casamento da minha filha Aline Brod com a Gabi, que já é filha também. Foi um final de semana bem offline. Menos pela possibilidade de acesso do que pela possibilidade de encontrar gente que veio de todo o mundo para esse casamento em uma região rural de Porto Alegre que ainda é bem inédita para os que vêm de fora. Claro que não faltaram registros posteriores pelas redes da vida, mas também não faltou muito contato, carinho, pertinho. Em retrospectiva, talvez tenha sido o casamento da minha filha que me deixou saudosista e me levou a maratonar o Frasier.
Ainda me espanto em lembrar que eu já tinha quase 30 anos quando a Internet comercial chegou aos "civis" e, hoje, com 60, ela faz parte da minha vida de um jeito tão diferente, tão ubíquo. Precisei dela para assistir Frasier em um serviço de streaming. Minha filha mais nova, a Ana Luiza Pereira Brod não chegou a saber o que é a vida sem Internet, mas ela e suas irmãs ainda têm a lembrança do ruído do modem e madrugadas baixando músicas para nossas férias. Depois elas esqueciam de rodar o "normalize" e o volume de cada música era uma surpresa constante que nos faziam exercitar o potenciômetro do tocador de CDs por horas de viagem de carro.
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Em outro episódio, Frasier solicita brochuras de passeios turísticos e celebra quando eles chegam pelo correio. Quantas vezes fiz isso! Quantas vezes, visitando lugares que eu não conhecia, coletava essas brochuras! Por causa delas e em função de um período em que fiquei afônico, minha família toda ficou em tendas militares no parque nacional de Yosemite, à mercê dos ursos! (exagero à parte!).
Lembro de minha avó reclamando das pessoas que diziam "os velhos tempos eram melhores!". Ela retrucava dizendo que essa gente reclamona nunca viveu uma vida sem geladeira, armazenando a carne do porco na banha do porco para não estragar, e levando dias de viagem entre Arroio do Meio e Porto Alegre (hoje 90 minutos de carro por boas estradas). Mas no tempo da minha avó as coisas que aconteciam em um período de 30 anos eram bem poucas, comparadas a 30 anos no meu tempo. E muito mais coisas vão acontecer entre a idade de seis anos e 36 anos da minha neta. Nem consigo imaginar!
Não digo que os velhos tempos eram melhores, mas acho bom, de tempos em tempos, sem revisionismo, apenas observar o tanto que as coisas mudam e em qual velocidade.
Ainda ouço rádio!
A imagem e o título desse artigo são inspiradas na música tema do seriado Frasier.