Se é demais, enjoa
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Se é demais, enjoa

Da intenção à ação, nem sempre existe relação. Algumas vezes, pretendemos mas não obtemos; outras, obtemos o que - definitivamente - não pretendíamos.

Sempre me lembro do caso da moça que, num treinamento, abriu o coração diante da provocação de que quanto menos esforço fizermos para parecer "legais", mais empáticos tenderemos a ser.

Essa moça tinha a idade da filha de seu marido e, obviamente (pelo menos, para ela), a enteada a odiava. Imagino que não fosse, mesmo, uma situação confortável. Nem para a moça, nem para marido, nem para a tal filha odienta.

Como forma de resolver o climão, marido e mulher organizaram um jantar. A madrasta providenciou tudo: preparou os pratos de que a enteada mais gostava, decorou a casa com flores, escolheu uma trilha sonora agradável.

Mas a tensão acompanhou todo o evento e o resultado foi que, além de arrivista, periguete e outros títulos menos publicáveis, a moça ganhou a alcunha de Falsiane: "querendo me comprar com esse jantarzinho", segundo a filha inconciliável.

A conclusão era óbvia: tão legal, que desandou.

No mundo dos serviços, isso também acontece.

Vira e mexe, trago aqui ruminações sobre maus serviços, descuidos no atendimento, processos pensados apenas sob a ótica do prestador. Pois hoje gostaria de abordar o outro lado.

Sabe quando o cliente, antes de ouvir o vendedor, já lança um objetivo e cortante "estou só dando uma olhadinha"? Essa frase é o suprassumo do "me deixa em paz", com que vendedores experientes sabem lidar muito bem. (Acompanham de longe a evolução do negócio e, se percebem que dali não sairá qualquer coelho, abandonam a tocaia).

Quando estamos no papel desse cliente, agradecemos.

Há, porém, situações em que não se pode, simplesmente, "dar uma olhadinha". Se entro em uma sorveteria, por exemplo. Posso até olhar os sabores, mas, ao final, espero poder provar um - ou dois, ou três! - deles. Ou numa padaria artesanal.

Não procuro papo, quando entro em um desses estabelecimentos. Imagino (ou gostaria de imaginar) que a pessoa que vai me atender pense da mesma forma.

Os cuidados na produção ou até aquele ingrediente secreto podem ser interessante quebra-gelo. Servem para receber o cliente, acolhê-lo. Pronto. Além disso, a coisa desanda.

O problema é que, se pretendo provar o sorvete ou o pão, não posso só "dar uma olhadinha": é preciso, minimamente, interagir. Mas o cliente - eu, pelo menos - se torna monossilábico, nessas ocasiões. Vendedores experientes percebem - e (me) deixam (o cliente) em paz.

Em alguns casos, porém, o laconismo do cliente soa - talvez - como um incentivo à loquacidade do vendedor. Se um não fala, é porque o outro tem muito a dizer?

"Me deixe em paz, por favor"!

Não dá para falar isso para quem - você nota - só está tentando ser simpático. (Falsiane?). Faz parte do bom-conviver ser um pouquinho hipócrita: faço que escuto; aceno com a cabeça; mantenho aquele sorriso idiota, que não se sabe se é exatamente um esgar ou uma câimbra. Espero, contudo, que a criatura perceba que a conversa já se encerrou.

Eu agradeceria.

Tudo tem sua medida. O difícil é encontrá-la. Nesse ponto, até entendo os donos de sorveterias e padarias que não param de falar. Mas - veja bem, criatura - eu já escolhi o sorvete; eu já sei que pãozinho acompanhará o meu café: não preciso responder cinco vezes se está tudo bem, ou ouvir suas digressões sobre farinha de trigo importada e nacional.

Pior é que quando muito se fala, muito se desvenda. Peixes morrem pela boca. E falar demais traz consequências. Ou o falante transmite certo desespero (volte, volte, volte - o que me leva a não mais voltar), ou se sente tão confortável diante da audiência que perde o filtro (e lança aos nossos ouvidos argumentos tão absurdos como funcionários brasileiros serem menos confiáveis do que alemães - !!!).

Nessas horas, qualquer sorvete ou pão gostosinho costuma virar maçaroca insossa.

Apenas uma questão: seriam os funcionários alemães mais confiáveis do que os brasileiros, ou vice-versa? E chega de conversa, vamos ao sorvete (no seu caso), no meu, a cerveja!

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