Sentido do pecado...
Porta Santa da Catedral de Santiago: perdão e pecado

Sentido do pecado...

Ao se perseguir a melhor compreensão do sentido do perdão no Caminho de Santiago – ao concluir a peregrinação pelo Caminho Português no Ano Santo de 2010, quando ao peregrino é concedida indulgência plenária (veja os posts anteriores) –, é importante entender a natureza daquilo que o exige, ou, a contrario sensu, o redime e o anula, qual seja, o pecado – do ponto de vista como se apresentam as coisas naturais, na dualidade do Universo, no Uno e no Verso, no branco e no preto, no belo e no feio, no gordo e no magro, no homem e na mulher, no doce e no salgado, enfim, no Yin e no Yang, no Princípio Único da Vida. Há de se considerar, especialmente, que esta dicotomia há de ser sempre relativa, jamais absoluta, na busca de equilíbrio fundamental para a nossa existência.

Se há perdão é porque houve pecado – no caso, erro, vício, imperfeição, transgressão a dogmas, regras pré-estabelecidas. Os pecados capitais, por exemplo, seguem uma ordem. E talvez não seja por acaso que nesse ranking a gula está em primeiro e a preguiça em sexto...

1º - Gula.

2º - Avareza.

3º - Luxúria.

4º - Ira.

5º - Inveja.

6º - Preguiça.

7º - Vaidade ou orgulho.

Assim, cometeria pecado maior quem come muito, se comparado ao que é preguiçoso, ou mesmo ao invejoso.

Os 10 mandamentos compõem outra lista de ações que, ao praticá-las, também estar-se-á cometendo pecado – e que, da mesma forma que no outro rol, exigirá penitência para se obter o perdão. Não deve ser por acaso que os três primeiros tratam da religiosidade de cada um:

1º - Amar a Deus sobre todas as coisas.

2º - Não usar o santo nome de Deus em vão.

3º - Lembrar o dia de domingo para santificar.

4º - Honrar pai e mãe.

5º - Não matar.

6º - Guardar castidade nas palavras e nas obras.

7º - Não roubar.

8º - Não levantar falso testemunho.

9º - Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos.

10º - Não cobiçar as coisas do próximo.

Por tais mandamentos é possível admitir que matar é menos grave que se lembrar de santificar o domingo (aliás, o dia em que escrevo este texto...). Assim, se é possível graduar o pecado – da mesma forma como é possível graduar todos os objetos e ações, sejam as más, sejam as generosas –, também seria possível graduar o perdão. Ou não há de se admitir graduações? Não, isso talvez não faça sentido! Então, apenas para refletir, é possível, sim, graduar as ações pecaminosas. Uma relatividade que faz parte do princípio fundamental...

Isto é, aceitando essa relatividade, não se concederá perdão maior do que o tamanho do pecado. E também não se exigirá do pecador mais do que o suficiente para reparar a gravidade de seu ato. O perdão, pois, há de ser proporcional.

Muito menos se aplicará um pequeno perdão para um grande pecado. Se foi tão grande assim, a penitência para obtenção do perdão haverá de ser também gigante!!! O raciocínio terá como parâmetro a lógica, que estabelece uma pena proporcional ao crime, como ensinaram filósofos famosos, como o francês Michel Foucaut, e está estampado nos códigos penais, inclusive o brasileiro.

A pena para quem mata é maior que aquela para quem furta! Enfim, para qual ou quais tipos de pecado haverá de servir o tamanho do perdão concedido por se ter feito a peregrinação a Santiago de Compostela em Ano Santo Compostelano? Eis que a peregrinação nos demais anos, quando o dia consagrado ao Apóstolo Santiago – 25 de julho – não cai em domingo, não tem o condão da indulgência plenária...

A peregrinação a Santiago, por si só, é um movimento de dor, de reflexão e de sofrimento, ou ainda para muitos, de prazer e satisfação, dotado de começo, meio e fim – o fim junto às relíquias do Apóstolo, guardadas na cripta da Catedral de Santiago de Compostela, e a obtenção da Compostela (só entregue a quem peregrinou a pé ou a cavalo os últimos 100 quilômetros até Santiago, ou de bicicleta, os últimos 200 quilômetros).

O perdão será concedido ao peregrino no Ano Santo Compostelano por quem representa a autoridade divina e é responsável em conceder tal graça. Ao proporcionar o perdão, por outro lado, estar-se-á estabelecendo uma espécie de contrato – entre o perdoante e o perdoado –, de que o erro foi anulado (ainda que aparentemente ele não tenha sido reparado), não existe mais, sendo que o perdoado se livrou dele também com o compromisso de não repetí-lo.

Mas, o que aconteceria no caso de uma reincidência: o perdão anterior somar-se-ia ao novo, tornando sem efeito o primeiro perdão? Seria necessário, por exemplo, outra peregrinação a Santiago de Compostela no Ano Santo seguinte?

É o caso, no dito popular, de se estabelecer um preço ao perdão... o que me faz lembrar do poeta Vinícius de Moraes em seu “Samba da Volta”, no qual frisa que “o perdão pediu seu preço”.

Para quem não lembra:

“Você voltou, meu amor. Alegria que me deu.

Quando a porta abriu, você me olhou, você sorriu, ah, você se derreteu!

E se atirou, me envolveu, me brincou, conferiu o que era seu.

É verdade, eu reconheço, eu tantas fiz, mas agora tanto faz!

O perdão pediu seu preço; meu amor, eu te amo e Deus é mais”.

Afinal, a prática cristã ensina que o pecado cometido por qualquer pessoa pode ser perdoado por Deus, por conta do sacrifício feito por Jesus em sua morte.

Porém, como está na Bíblia, é possível admitir o pecado imperdoável, ou pecado eterno, aquele que impede a salvação do pecador. Um exemplo de pecado imperdoável é “blasfemar contra o Espírito Santo”.

Está em Marcos 3:28-30: “Em verdade vos digo: Que aos homens serão perdoados todos os pecados, e as blasfêmias que proferirem; mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca mais terá perdão, pelo contrário é réu de um pecado eterno.»

Em Mateus 12:31-32: “Por isso vos declaro: Todo o pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não lhes será perdoada. Ao que disser alguma palavra contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; porém, ao que falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro.”

Em Lucas 12:8-10: “Digo-vos ainda: Todo aquele que me confessar diante dos homens, também o Filho do homem o confessará perante os anjos de Deus; mas o que me negar diante dos homens, será negado perante os anjos de Deus. Todo aquele que proferir uma palavra contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; mas o que blasfemar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado.”

São Tomás de Aquino, que prestou relevante contribuição à filosofia do Cristianismo, listou seis tipos de blasfêmias ao Espírito Santo, que seriam capazes de caracterizar o pecado eterno; admitindo, porém, o perdão por meio do milagre. Ah, o milagre...

1º - Acreditar que a própria maldade humana é maior do que a bondade divina.

2º - Desejar obter a glória da salvação sem ter méritos (ainda que haja arrependimento no leito de morte), ou perdão sem arrependimento.

3º - Resistir em conhecer a verdade.

4º - Invejar o bem espiritual alcançado pelo próximo.

5º - Vontade específica de não se arrepender de um pecado.

6º - Preso ao seu pecado, estar imune à ideia de que o bem existe dentro de si.

A questão é acreditar ou acreditar.

Aliás, quando é mesmo o próximo ano em que 25 de julho cai num domingo?

Em 2021.

Buen Camino!

#pedrasdocaminho

#10yearchallenge

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