Será a prática um fim em si mesma?
Será a prática um fim em si mesma?

Será a prática um fim em si mesma?

A prática do Yoga não constitui, só por si, um fim em si mesma. Ela é, antes do mais, um meio de preparação para o autoconhecimento.

Para que se possa compreender e assimilar a verdade sobre “quem sou” é necessário um certo grau de preparação.

Porquê? Porque todo o conhecimento tem lugar na mente e, assim sendo, para que esta esteja preparada, impõe-se uma prática que permita e contribua, justamente, para essa tal preparação.

É por isso que, neste enquadramento, os Yogasutras de Patanjali definem yoga como “a desidentificação com os conteúdos da psiquê” (“yogascittavrttinirodhah” , I;2) Usa-se a palavra psiquê neste contexto para fazer referência à trilogia mente-ego-intelecto (respectivamente, manas, ahankara, buddhi).

Essa desidentificação é conseguida (ou pelo menos facilitada), nomeadamente, através da prática tornando o individuo preparado para o conhecimento de si mesmo (atman jnana).

A mesma ideia está contida no Veda, nomeadamente na Kaṭha Upaniṣad (I;3). Aqui podemos encontrar a parábola do Ser e da carruagem. O Ser (atman) é o senhor dessa carruagem. O corpo (sthula sharira) é a própria carruagem. A capacidade de descriminação/discernimento (viveka) é o cocheiro. A mente são as rédias e os cavalos são tidos como os sentidos. A estrada onde circula a carruagem, que representa a jornada pessoal, apresenta-se como os desejos.

Assim sendo, através da prática, aguça-se a capacidade de discernimento (viveka) o que terá um efeito fortalecedor para a mente e, por sua vez, permitirá um maior domínio sobre os sentidos. Dessa forma a mente e os sentidos não se deixarão somente ir ao sabor dos desejos mantendo-se, simultaneamente, uma atitude de firmeza e desidentificação mental essencial para a equanimidade da mente (samatvam).

Nesse estado de equanimidade, o conhecimento pode mais facilmente ter lugar, estabelecendo-se essa identidade entre o individuo (jivatman) e o Todo (paramatman). De sublinhar que esse conhecimento não tem origem em nenhuma acção (prática) mas tão somente é facilitado pela prática que vive em simultâneo com o estudo de si mesmo. Prática e estudo andam de mãos dadas, um não substitui o outro.

A prática facilita o estudo e o estudo trás o conhecimento.

Em suma: a prática como um meio, inserida num estilo de vida de Yoga, permite chegar a um fim, o conhecimento de si mesmo, resultando em liberdade/libertação (moksa).

Esta é uma visão Macro a respeito do propósito da prática como algo inserido num contexto (e não como acto isolado) com o intuito de conduzir a um fim específico que vem a ser a libertação do sofrimento no ser Humano (duhkha).

Namaste 🙏

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