Será que uma gíria e um tempero podem te ajudar?
A língua portuguesa é riquíssima. Cheia de pompas, tem muitas regras gramaticais, aquelas excessões que nos fazem coçar a cabeça, põe acento, tira acento, tem hífen, mas agora não tem mais, imagino para um estrageiro entender a diferença do “tu”, “você” e “vós”, sinceramento muitos dos brasileiros mal sabem diferenciá-los.
Mas hoje quero fazer uma reflexão sobre duas palavras da nossa língua, que se juntas dão uma figura de linguagem cacofônica, as palavras são: Cara + Alho.
Não permito-me ser hipócrita em dizer que o baixo calão não tem lá suas vantagens, naqueles momentos de fúria, quando bate o dedinho na ponta da cama e solta um palavrão, nossa, uma sensação de dor e alívio. O palavrão faz parte da cultura, é uma forma de expressão, usamos quando julgamos que algo deu, está dando ou dará errado. Ah senhoros, no entanto há lugares, pessoas e situações certas para poder usá-los.
Hoje ouvi:
- cadê o negócio cara + alho?
Uma frase simples, não muito impressionante mas num contexto extremamente inaceitável. Isso foi dito por um aluno enquanto eu dava aula particular de inglês para ele. Estávamos fazendo exercícios gramaticais e treinando a escrita, por conta que nesse dia específico não levou nenhum material, veja bem, o aluno não levou sequer uma papel e caneta para anotar, nós dividimos o meu computador, o que foi incomodo para ambas as partes. Então diante de uma certa frustração, porque não estuda, é irresponsável com os próprios materiais, vê-se um progresso lentíssimo pois lhe carece dedicação, imputa à professora seus fracassos sem ao menos julgar a sí próprio, então deixei de ser a “teacher”, para ser aquela que o lembrava de sua fraqueza. E então perguntou-me:
-CADÊ O NEGÓCIO CARA + ALHO?
E senhoros, pásmem. O objeto de procura desse excelentíssimo aluno era uma guia no google já aberta. Havia quatro guias abertas e era preciso entrar em contato com aquela que se chamava “Essential Grammar in Use”. Entendam, meu aluno, numa aula de inglês, sem material, onde tinhámos somente quatro páginas abertas, de um material que estamos trabalhando há meses, não conseguiu identificar alguns caracteres e por isso não sabia qual guia precisávamos naquele momento.
Ele não tinha seis, dez, quinze ou vinte e cinco anos, estou me referindo a um senhor de quarenta e seis anos com três filhos. Você conseguem sistematizar o problema?
Como algo tão pequeno pode prejudicar TANTO a nação? Os professores são desrespeitados, não lhes são vistos como uma figura de autoridade, onde devamos respeito-los, e essa cultura começa dentro de casa. Já ouvi e me contaram frases das seguintes estirpes: “Eu pago escola, é dever deles darem educação aos meus filhos”, “Como assim o professor quer repetir meu filhinho por apenas 0,1?”, “Professor tem como aumentar a nota do meu filho? ”, “Diretora, o professor está pegando no pé do meu filho só porque está conversando na sala de aula”, “Vai jogar seu jogo, vai?!, se você não aprender é culpa do professor, falo com a diretora depois”....É explícito a languidez da educação dada pelos pais.
Senhoros os filhos de vocês nascem burros, e provavelmente vocês também são, e não tenho dúvida que essa a que vos fala também o é, por isso é preciso dedicação, entender do porquê aprender, ter HUMILDADE de saber que não sabemos tudo e que outros são melhores onde carecemos de expertizes e que podemos ser os melhores onde outros carecem. Não há fraqueza em se entender como burro, gosto dos burros, burros sabem que não sabem, correm atrás porque ficam incomodados de serem burros e se tornam pessoas que se aventuram no aprendizado.Não confundir burro com preguiçoso, negligente, irresponsável ou indisciplinado. No entanto tenho um medo absurdo dos “inteligentes”, daqueles que batem no peito sem dúvida e fazem de sua realidade a verdade latente do mundo. Aquela pessoa que diz “ sou boa para cara + alho é a mesma que treme na base na hora de procurar uma guia aberta no google chrome e faz de alguém que poderia lhe ajudar um reflexo de sua covardia.
A língua portuguesa é riquíssima. Nas minhas poucas experiências com esse mundão vejo minúcias que mal podem ser descritas num livro, dialetos, gírias, sotaques, adaptações regionais, desde o sul ao norte, varrendo o país inteiro, quase não nos é escasso esse recurso linguístico. No entanto, vendo a pobreza educacional arraigado na cultura, tem-se pérolas jogadas aos porcos, e algo que poderia ser “me ajuda, preciso melhorar” se torna uma ode a um “cara” e um “alho”. Só sendo muito idiota para recorrer a uma gíria e um tempero na hora de pedir um socorro.
Caroline Cardine