Serão as redes sociais o novo Monolito?
Vez ou outra, na história da humanidade, uma determinada invenção ou descoberta causa um “tranco” de desenvolvimento, uma arrancada que deixa uma ou duas gerações defasadas e parecendo ultrapassadas. O exemplo mais atual é a internet e seus desdobramentos.
A literatura é cheia de símbolos que retratam ocasiões assim. Um deles permeia também a cultural popular e, mesmo que você não tenha lido o livro ou visto o filme, já deve ter se deparado com alguma referência da obra. Trata-se do Monolito de “2001 - Uma Odisseia no Espaço”, o primeiro livro da tetralogia iniciada por Arthur C. Clarke em 1968 e finalizada em 1997. Tendo dito isso, cuidado com spoilers à frente, caso não tenha lido o livro ou visto o filme. Se bem que é absurdo falar de spoiler de uma obra de 50 anos. Enfim…
Um ponto que não fica evidente no filme, mas que é tratado de forma profunda ao longo de todos os livros da série, é o fato do Monolito ser uma máquina, um supercomputador quase senciente, deixado em diversos planetas por uma espécie muito antiga, provavelmente a primeira forma de vida a ter existido no universo. Tais máquinas eram deixadas em planetas com capacidade de sustentar vida inteligente e podiam, entre outras coisas, dar um empurrãozinho evolutivo para criaturas com determinadas características. É o que acontece com a tribo de hominídeos que acaba trombando com o Monolito, e passa a se desenvolver mais rápido, com o domínio de ferramentas primitivas.
Com o tempo e a evolução da humanidade, levando à guerras e os problemas da sociedade moderna, o Monolito detecta o risco que a espécie humana representa para outras espécies e inicia um plano de extermínio. Antes disso, encontrando outros Monolitos no Sistema Solar, missões são enviadas para buscar neles mais respostas.
Sem tanta dramaticidade, as ferramentas de comunicação digital prestam-se a um papel semelhante ao dos Monolitos na história da comunicação. É inegável o arranque de desenvolvimento que testemunhamos a partir do momento da popularização do acesso à internet e aos equipamentos de produção, tais como câmeras, celulares, mesas de som e softwares de tratamento e edição de imagens, áudio e vídeo. A geração de conteúdo virou a menina dos olhos de agências e empresas e o catalisador de diversas mudanças.
A esse fenômeno somamos a criação das redes sociais e o incentivo ao software livre, que enfim colocaram todos os geradores de conteúdo a apenas um clique do público. Da Coca-Cola à mercearia da esquina, dos Rolling Stones à banda do seu primo, da Universal aos produtores de filmes independentes, as ferramentas estão todas disponíveis, variando o orçamento disponível para utilizá-las e a capacidade criativa da equipe.
Mas o que percebemos foi que, ao invés de testemunharmos um surto inventivo, a capacidade criativa e transformadora dessas ferramentas ficou subutilizada, tanto no âmbito corporativo como no artístico. Vemos uma repetição de formatos e mecanismos de comunicação, os mesmos remédios sendo ministrados para diferentes condições, sem respeitar as características próprias de cada organização, de cada cliente.
Acredito que não liberamos todo o potencial dessas ferramentas por estarmos amarrados à formatos binários, como se algo acontecesse somente 100% no Real ou 100% no Digital. Assim como as missões humanas da Odisseia Espacial de Arthur Clarke, estamos buscando respostas e soluções nas próprias ferramentas, nas redes sociais, como se elas fossem o ponto de chegada das nossas iniciativas de comunicação.
As redes sociais podem nos dar alguns insights de perfis e hábitos, mas a recompensa delas, um like ou uma postagem compartilhada, é vazia de sentido se ainda pensarmos naquele formato binário.
Não vejo as Redes Sociais decretando a morte da comunicação, como foi o caso do Monolito, mas passou da hora de entendermos que a palavra importante é Rede. Ela perpassa o digital e o real. A Rede é importante como um conjunto de conhecimentos, experiências, histórias de vida e, principalmente, indivíduos diferentes e plurais, que buscam um mesmo objetivo. A construção do caminho para chegar a esse objetivo vai envolver estruturas de comunicação digitais e reais, assim como nenhum indivíduo é 100% digital e, atualmente, também não passa 100% de seu tempo apenas em interações reais.
Precisamos ter em mente que somos todos nós, sem exceção, muito mais do que um like.