“Ser” Empreendedor: o sentir do líder e os processos sociais
No dia 05 de Março de 2020, no Pulse Coworking, aconteceu a Live da Embaixada GV de Santa Maria sobre o “Ser” empreendedor. A Life coach Aline Hunhoff preparou algumas perguntas para Giovanna Bonella Barros e Helaysa Pires. O centro de geração de valor dessa conversa foi a afirmação de Giovanna de que não há uma receita para ser empreendedor, sendo imprescindível a atenção e o sentir. Ela trouxe essa questão por ter encontrado na atividade física um apoio para enfrentar os desafios da administração de uma empresa que presta o serviço na área de idoso. Um dos maiores desafios citado pela empreendedoras-empresária foi o dinamismo da gestão da equipe.
Frente a isso, a empreendedora-antropóloga Helaysa Pires lembrou do conceito de “communitas”, elaborado por um dos teóricos da antropologia da performance Victor Turner para se referir ao aspecto dinâmico que perpassa e se distingue da estrutura fixa dos grupos sociais. Esse conceito ajuda na compreensão do papel das crises como reorientador do social, por exemplo, de uma equipe. O significado de conceito é relativamente simples: refere-se à área de vida em comum. Se cria e se fortalece nos momentos em que a estrutura social (mais rígida) passa por processos de crise. Ou seja, como afirmou a Giovanna, “Não tem receita” no final das contas.
Embora qualquer empreendimento tenha sua estrutura social, o empreendedor deverá se desapegar dela em algum momento, pois ela irá se modificar. Assim, cada colaborador poderá cumprir seu papel na empresa que, pela ótica da teoria de Turner, seria o estatuto social deste indivíduo na estrutura social criada. Quando o colaborador se sente pertencente ao grupo, então, ele e o líder tem mais chance de entrar numa relação de confiança. Trabalho muito bem cuidado pela Giovanna junto com a psicóloga que atua na sua equipe.
Quando Aline perguntou sobre o que move o empreendedor, a resposta de Helaysa também continha elementos da teoria de Turner, pois quando ela diz que o empreendedor é movido por algo maior que ele mesmo ao qual ele serve, a antropóloga está se inspirando na teoria de Turner quando ele diz, por exemplo: “Certos cargos fixos fixos nas sociedades tribais têm muitos atributos sagrados. [...] Algo da sacralidade da transitória humildade e ausência de modelo toma dianteira e modera o orgulho do indivíduo incumbido de uma posição ou cargo mais alto. [...] A liminaridade implica que o alto não poderia ser alto sem que o baixo existisse, e quem está no alto deve experimentar o que significa estar em baixo.” (p.119).
Essa noção aparece na live, de forma geral, pelo termo “Servir”, quando as três participantes observam que o empreendedor se entrega para o seu empreendimento, inclusive quando Aline referencia a abordagem da constelação sistêmica. Mas também quando ela cita que o empreendedor nunca sabe onde vai chegar exatamente. Por isso, o empreendedor, enquanto líder de uma equipe e segundo o conceito de “communitas”, , administra uma comunidade com pessoas posicionadas em diferentes lugares com flexibilidade suficiente para estar umas com as outras. Embora exista um movimento na direção de um objetivo, “o coletivo experimenta no entanto por toda parte uma virada para outros, o enfrentamento dinâmico com os outros, uma fluência do Eu para o Tu. A comunidade existe onde a comunidade acontece.” (p.154).
Exatamente como a Giovanna relata a sua experiência de mais de 10 anos na empresa, com oscilações dos momentos dentro da empresa, e com o trabalho em cima da visão de que, no cuidado ao idoso, todos nós servimos, cada um é uma peça importante no quebra cabeça da empresa. E para manter a fluidez entre os membros da equipe o líder precisará ser criativo. E, quem dará suporte a ele?
Para Giovanna, seu “ser” empreendedor prescindiu do investimento na meditação e atividade física para que ela pudesse manter-se energizada para dar o suporte necessário à sua equipe. Ela aprendeu que algumas coisas podem ser resolvidas com o tempo e outras exigem lidar com o desafio de estar presente para tomar decisões. Por isso, Giovanna questionou “Como se manter consciente e presente todo do dia?” e “Como eu vou estar para fazer isso?”. Essas perguntas nos direcionaram para as nuances do profissional e do pessoal neste lugar de líder e da sua relação com a equipe; para a gestão das emoções, mas acima de tudo, para o momento diário, íntimo, profundo e essencial de olhar a nossa vida de fora. Existem muitas técnicas disponíveis para isso, a escrita é importante, está presente nas ferramentas da psicologia positiva que são bases dos processos de coaching. E, além disso, é a base do empreendimento antropológico moderno - a observação-participante - o qual Helaysa se deteve especialmente para poder criar um deslocamento do seu olhar e fazer o que Roberto Damatta chama de “estranhar o familiar”.
E essa estranheza ficou muito marcada para Giovanna quando ela chegou naquilo que seria o sucesso da sua empresa: “casa cheia”. Foi nesse momento que ela percebeu que o verdadeiro sucesso do empreendedor era encontrar prazer, satisfação e sentido no trabalho que estava sendo realizado. De fato, se já houve uma receita ela está se diluindo e transformando cada vez mais desde a década de 1980, com mais força na década de 1990 devido a aceleração do tempo e diminuição das distâncias. Mas também com as modificações sociopolíticas proporcionadas pela democracia instaurada no Brasil depois da constituição de 1988. Tudo isso junto das novas tecnologias faz do Brasil um grande coworking de novos empreendedores. O desafio? É mesmo aquele que finalizou a nossa live, sentir-se bem com que está fazendo, estar inteiro, estar presente e conscientemente feliz para apreciar inteiramente cada momento.
TURNER, Victor. Liminaridade e “Communitas”. In: O processo ritual: estrutura e anti- estrutura. Trad. Nancy Campi de Castro. Petrópolis: Editora Vozes, 1974. p. 116-159. [1969].