Ser ou ter para parecer ser? Eis a questão!
Nos últimos quatro anos tenho vivido uma experiência bem intensa de autoconhecimento e, sempre que possível, divido as minhas descobertas e reflexões com vocês que gostam de ler os meus textos. Nesse período, questionei tudo o que eu considerava “normal” até então. Questionei minha carreira, minha profissão, minhas amizades, meu estilo de vida, minhas roupas etc. Enfim, tudo! Incluindo o sentido da minha própria vida. Calma! Fiquem tranquilos que nunca pensei e nem penso em acabar com ela. Porém, eu questionei o que estava fazendo aqui. O tal do propósito, sabe?
Nessa caminhada, eu percebi que passei 30 anos da MINHA vida vivendo o que as OUTRAS pessoas esperavam de mim. O ser humano nasceu para viver em grupo e o tempo inteiro buscamos a aprovação desse grupo. Alguns mais, outros menos. Mas todos nós queremos sentir que pertencemos a um grupo e buscamos isso através da aprovação do outro. Hoje, eu quero falar para vocês sobre um questionamento específico dessa fase da minha vida: as roupas. E onde elas entram nisso?
A minha relação com as roupas ao longo do tempo
A minha relação com as roupas sempre foi bem conturbada. Durante a minha infância, quem escolhia as minhas roupas era a minha avó. Na maioria das vezes, eu nunca estava vestida com a peça que queria estar. Seja a saia que eu adorava e ela nunca colocava em mim, porque eu “não tinha modos,” ou me obrigar a usar o casaco da escola, por cima do meu vestido de aniversário, na minha festa, só “porque estava frio e eu poderia ficar doente,” mesmo eu dizendo que não combinava com a minha roupa. E, por isso, estou emburrada em todas as fotos do meu aniversário de quatro anos. Eu não tinha direito de escolher o que eu queria usar.
Na adolescência, já com alguma autonomia sobre o que iria vestir, o meu armário era composto de roupas, em sua maioria, pretas e bem largas. Eu não era roqueira e muito menos gótica. Tudo o que eu queria era conseguir me esconder do mundo. Tinha sofrido um abuso aos 11 anos e estava acima do peso. Queria ser invisível para as pessoas ao meu redor.
No início da vida adulta, lá no começo da faculdade, depois de muita terapia e conseguir emagrecer, eu queria experimentar usar as roupas que ainda não tinha usado. Apesar de ter crescido usando roupas nada estilosas, eu me interessava por moda e queria viver isso. Durante um bom tempo, eu gastei muito dinheiro com roupas. Por vezes, comprei roupa que nunca usei e doei ainda com etiqueta. Me sentia mal em fazer isso, mas na hora me encantava e comprava. Depois me arrependia. Lembro de uma vez que comprei várias peças de roupa e, ainda na porta da loja, me arrependi de ter feito aquela compra. Queria entrar novamente na loja e pedir para cancelarem a compra, mas o medo do julgamento das vendedoras não me permitiu.
O medo da rejeição
O julgamento alheio é algo que sempre permeia a nossa vida constantemente. Principalmente, o nosso vestir. Sejam os julgamentos sobre se o que a gente veste está na moda, ou é cafona. Ou se estamos vestidos adequadamente para uma ocasião, ambiente etc. Se a roupa é chamativa, curta, decotada... qualquer característica é passível de julgamento da sociedade. Essa onda de julgamentos sobre o que podemos vestir, ou não, me fez ter um ranço do ambiente de moda, devidamente adquirido depois de ter trabalhado em uma edição do finado Fashion Rio e Fashion Business. Ver os bastidores do universo da moda e como aquela engrenagem funcionava me fez querer ficar bem longe desse mundo.
Quando eu comecei a empreender, o julgamento sobre o que estava vestindo ficou mais evidente e era claramente verbalizado. Mesmo trabalhando com startups e tecnologia que, de certa forma, era para ser um ambiente menos rígido com relação à vestimenta, posso dizer que isso se aplica até a página dois. Até porque, é um universo, ainda, dominado pelos homens. Ou seja, apenas as pessoas do sexo masculino, podem trabalhar de bermuda, chinelo e camiseta descolada sem serem julgados.
Em oito anos de empreendedorismo, escutei que deveria usar saia em reuniões para fechar contratos e que não deveria usar batom vermelho, pois "ficava ridículo em mim” e que eu “parecia uma palhaça.” Porém, o mais absurdo para mim, até hoje, é a máxima de que eu deveria manter um status que não tinha para parecer bem sucedida. Ouvi de uma cliente que eu precisava ostentar marcas. Inclusive ela me deu um relógio da Michael Kors para que eu usasse quando fosse em reuniões. Afinal, o meu relógio da Swatch não era bom o suficiente para isso. Outra me disse que eu tinha que ter bolsas chiques para ir à reuniões e eventos e que a minha bolsinha da Mr. Cat não servia. Ela disse que tinha bolsas da Gucci e Dior apenas para isso.
Buscando ser aceita por um grupo do qual eu queria a validação, mudei meu guarda-roupa inteiro, gastei o que podia e não podia. Lembro que uma vez ouvi de uma stylist que deveria ter dois “armários,” pois as roupas que eu gostava não passavam a imagem que eu, dona de empresa, deveria transmitir.
Ainda na minha primeira empresa, eu entrei na Victor Hugo e comprei uma bolsa parcelada em 10 vezes de 200 reais. Não bastava a bolsa, tinha que ter a carteira e o porta cartão de visitas também. Afinal, quando estamos em um almoço de negócios, nós sacamos a carteira para pagar a conta e não dá para mostrar aquela carteira sem marca da loja de departamentos. E ainda distribuímos cartões de visita nos eventos, certo? Então, precisamos ostentar marcas nisso também. E assim que pude ir aos Estados Unidos, já saí do Brasil com o dinheiro separado para comprar uma bolsa de marca gringa. Voltei com duas. Uma para os eventos e a outra para o dia a dia, afinal, vai que surge aquela reunião surpresa no meio do dia, não é?
Anos antes, tinha ouvido de um professor, durante uma aula na pós-graduação, que ele tinha um amigo advogado de um escritório famoso e que dirigia um carro que não comportava no salário dele. Quando o amigo foi questionado pelo meu professor, disse que tinha feito leasing (ou seja, uma espécie de aluguel) e que sempre trocava de carro, pois, ele precisava parecer ser bem sucedido para aqueles clientes, senão, os caras não acreditavam que ele seria capaz de ganhar os processos. Quando eu ouvi essa história, juro que pensei que isso jamais aconteceria comigo. Não só aconteceu comigo, como vi acontecer com muitas pessoas ao meu redor. Amigos que me confidenciavam ter um cartão platinum apenas para sacar da bolsa no final dos almoços de negócios, dessa forma os clientes veriam que estão lidando com alguém bem sucedido.
Essa onda de “ter” para parecer “ser” em busca de aceitação é algo bem mais comum no meio de negócios do que nós imaginamos. Eu demorei muito tempo para entender que meu valor não é medido por marcas. Demorei a entender que a moda não é algo para me moldar, mas uma ferramenta útil que pode ser usada a meu favor e ajudar a me expressar. Viver uma vida fingindo ser algo que não sou, me deixou doente e hoje, longe desse universo, eu estou descobrindo o meu estilo e entendendo que as roupas ajudam a expressar a nossa personalidade. Me sinto livre para usar roupas de lojas de departamentos desde que seja confortável e que tenham a ver comigo. Descobri que não existe certo ou errado, existe o que funciona para mim e o que me faz bem. Me libertei de viver fantasiada de empresária bem sucedida. Me libertei de me endividar para parecer ser algo que não sou para pessoas que não são importantes para mim.
Publicado originalmente no blog Monique Fernandes
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