Campanha antirracista da Uber seria uma cortina de fumaça?
"Se você tolera o racismo, delete o Uber". Essa foi a mensagem que a Uber publicou em uma ampla campanha de conscientização, incluindo billboards em diversas cidades americanas, como este da foto abaixo. Muita gente vem compartilhando e elogiando a iniciativa. Mas também tem muita gente criticando duramente.
Antes de mergulharmos nesse caso, esse movimento da marca lembra um pouco—ainda que bem, bem de longe—o clássico anúncio de uma página da Patagonia no New York Times em plena black friday—provavelmente o espaço de mídia impressa mais caro do mundo. O anúncio dizia para as pessoas NÃO comprarem aquela jaqueta ou qualquer produto da Patagonia.
Voltando ao caso da Uber, a nova campanha (incluí algumas informações sobre ela ao final do texto) acaba sendo uma questão controversa que tem gerado muitas reações contrárias nas redes sociais, justamente por ter sido lançada em meio a uma nuvem difusa de outras questões sensíveis que flanam na atmosfera da marca, em seu lado sombra, para ser mais específico. O lado sombra das marcas é uma teoria desenvolvida a partir da original concebida por Jung sobre o nosso inconsciente. Segundo Jung, há um lado sombra em nossa psique onde residem questões sensíveis sobre as quais não queremos conversar ou sequer conhecer (resumindo muito superficialmente aqui).
Seguindo nessa linha de raciocínio, pode ser que essa campanha da Uber seja na verdade um movimento bem engendrado pra desconstruir e suberveter toda essa nuvem de questões críticos. Seria uma estratégia de mudança de assunto. E nada melhor pra isso do que pegar carona no movimento que vem gerando mais repercussão no momento.
O fato é que a hashtag #DeleteUber já vinha sendo utilizada em grande escala por pessoas querem denunciar situações críticas no uso do serviço.
Desde situações de assédio sexual e moral praticado por motoristas — que até onde se tem notícia, não sofreram consequências ou punições exemplares, ao menos não houve posicionamentos da marca a respeito; até questões sensíveis relacionadas à relações trabalhistas e direitos, no que seriam consideradas práticas abusivas de trabalho, algo parecido com que os serviços de entrega, como o iFood e o próprio Uber Eats, vem sofrendo aqui no Brasil e no mundo.
Dessa forma, utilizar a mensagem "Se você tolera o racismo, delete o Uber" pode ser um cheque-mate conceitual inteligente pois pode conseguir subverter o sentido negativo do movimento #DeleteUber em uma atitude positiva atrelada à pauta mais ampla e epidêmica do momento, o movimento antirracial.
Todos sabemos que uma marca é um constructo simbólico em torno da qual é desenvolvida e ativada uma atmosfera de atributos e elementos positivos articulados. E também sabemos que essa atmosfera hoje também é composta por elementos que a marca muitas vezes não quer tratar ou conversar a respeito—o seu lado sombra. Essa "contaminação" da atmosfera de atributos—isso na visão da marca, claro—é feita pelas pessoas, nas redes sociais ou seja onde for. O que a Uber pode estar tentando neste movimento é purificar parte dessa contaminação subvertendo um elemento negativo da sua atmosfera de atributos em algo positivo.
Faz sentido?
Aqui, mais algumas informações sobre a campanha em si:
Criada pela Wieden + Kennedy para marcar o 57° aniversário da Marcha de Washington que teve como ápice o famoso discurso “I have a dream” de Martin Luther King, em 28 de agosto.
Além da campanha, a marca tem patrocinado eventos nos EUA e lançaram um microsite com seu posicionamento sobre esta causa tão crucial.
A empresa afirma no site que o objetivo dela é garantir que todos possam se mover livremente e de forma segura. E diz que pra isso precisam combater o racismo e serem “campeões em equidade, tanto dentro quanto fora da empresa”.
E comunicam algumas ações:
> Treinamento anti-racismo para motoristas e usuários.
> Times de tecnologia vão analisar e resolver questões de racial bias da inteligência artificial da Uber.
> Parceria com ONGs para tornar mais diverso seus times, com programas de estágio e incentivo a mais motoristas negros.
> Compromisso de dobrar a representatividade negra nas lideranças.
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Professor de Deepmeaning Brandbuilding na Miami Ad School e no Istituto Europeo di Design, o IED.
Autor dos livros:
"Visceral: liberte a energia mais íntima e verdadeira da sua marca"(WIP, 2020)
"Modernidade Gasosa: relações humanas que se esvaem ao sabor dos ventos"(WIP, 2020)
"Truthtelling: por marcas mais humanas, autênticas e verdadeiras"(Ed.Voo, 2018)
"Muito Além do Merchan: como enfrentar o desafio de envolver as novas gerações de consumidores" (Ed.Campus-Elsevier, 2012)
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Site pessoal: santahelena.org
Twitter: @leiasantahelena
Instagram: @leiasantahelena
Twitter Abre Los Ojos Think Tank: @_abre_los_ojos_
Twitter Visceral Brands: @visceralbrands
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4 aFaz todo sentido. Acho que desde o carnaval em que eles lançaram uma campanha com essa mesma pegada (abordagem sobre o assédio que as mulheres sofrem nesse período), existe uma tentativa clara de mascarar ou então como vc disse “mudar o rumo” da conversa seguindo uma mesma taxonomia, digamos assim. Infelizmente mesmo com anúncios de que estão investindo em treinamentos para sanar essas questões sociais, ainda não foi apresentado resultados concretos dessas ações. A percepção que fica é exatamente essa cortina de fumaça que a cada vez mais vai se dissipando.
Comentei sobre isso no post da Coca~Cola. Rs. Agora achei onde comentar. Não sei se o Yuval Noah Harari tem a resposta pra isso. Mas acho que pensadores como ele poderiam ajudar a responder. Essa reflexão que vc lançou é muito boa Raul. Suas provocações são maravilhosas. Tenho gostado imenso de ler e pensar a partir delas. Parabéns pela qualidade e consistência das suas provocações.