Seria a menopausa machista?

Seria a menopausa machista?

Um dos piores sintomas da menopausa é ver revelado o machismo entranhado em nós, mulheres. Não cometeria o suicídio social de dizer que é O pior sintoma. Calores, que no meu caso vêm depois de uma onda elétrica pelo corpo, são horríveis. Ainda dou sorte de não me descompor e posso, discretamente, passar os dedos pela testa molhada e secar, com a roupa mesmo, as gotículas entre os seios e manter a elegância. Os  rompantes de fúria no meu caso também têm efeito atenuado pela predisposição genética, que me faz ser conhecida por eles (principalmente quando tenho fome). Securas ainda não me atingiram. Já não posso falar o mesmo do alargamento da cintura, flacidez facial, pintas brancas pelo corpo, gorduras sadicamente dispersas, ganhas ao se respirar. Sem contar quando não reconhecemos aquela senhora na foto até que ouvimos o comentário: "você ficou ótima". Chega a ser humilhante, sim. Só que tudo isso poderia ser vivido em discreto sofrimento, se não fosse o machista que habita nosso corpo maduro. 

A menopausa, ou fim dos meses, é a pausa definitiva da etapa da vida que se inicia com a menarca, na adolescência. Aliás, todas esquecemos (deve ser a menopausa) que os hormônios nos incomodam em igual proporção nessa fase e trazem mudanças corporais que também nos causam estranhamento, irritação, mau-humor crônico, alterações em circunferências e suores frios. O que é levantar depois de horas sentada e sentir aquele fluxo descendo? Hein? A diferença fundamental entre essas duas fases femininas recai no simples fato de que a sociedade saúda uma delas com alegria, pois seremos reprodutoras e contribuiremos com a perpetuação dessa nobre espécie (#sqn). Tem até festa pra isso. Já a pausa dessa etapa de altruísmo humanitário não é tão bem acolhida. Nem se comenta e, na verdade, paira um silêncio constrangedor sobre ela.

Tenho convicção de que, em um passado não tão distante, fomos ensinadas a esconder o fato, para não sermos marcadas com a letra escarlate I de inútil. Já ouvi de pessoa considerada sábia (e, não, não é do século retrasado) que a Natureza assim decreta a nossa morte, porque não mais servimos a ela. Lembra do nome fim dos meses? Os ossos se dissolvem, o coração fraqueja, o joelho dói, num claro recado: "deita, amiga, e espera a morte chegar". Colocar palavras na boca de entidades não humanas é bem coisa de humano. Colocar certezas em cabeça de mulheres é bem coisa machista. A que não serve mais essa mulher infértil? À procriação, lógico. E pra que serve a reprodução dessa espécie em um planeta superpovoado, que se lacera com esse excesso? Será que é isso mesmo que a Natureza diria, se falasse? Nossos meios de geração de riqueza teriam tanto impacto assim sobre ela se fosse pra sustentar um terço de exemplares da nossa espécie? Então porque , até agora, não são exatamente as mulheres que não podem mais gerar filhotes as exaltadas?

A minha teoria é de que o término do poder de atração de sexual para fins reprodutivos (o que  definiu a nossa sociedade por milênios) seja a causa e o efeito da rejeição à menopausa. Envergonhadas por não carregarmos mais no corpo os atributos culturalmente definidos como apropriados para o ato sexual: cintura fina, peito em pé, bunda dura, vagina úmida, cordialidade para receber o macho, sofremos mais do que seria culpa dos hormônios. A mortificação solitária em espelhos de banheiro, a submissão a torturas com instrumentos como bisturis, agulhas, lasers, ultrassons macro e microfocados e queimaduras com formol são a expiação do pecado do útero murcho. E, mais, continuarmos vivas.  

A completa falta de sororidade para acolher nossas alterações, tão comuns quanto o crescimento das unhas, nos faz passar por dissabores como ouvir, no meio de saudáveis risadas do nosso rosto flácido, solto em encontros sociais, coisas como: "amiga, por que você não faz botox? Ia ficar ótimo".

Bradamos aos céus, indignadas com o giro da Terra em volta do sol, com o absurdo de que viver deixa marcas. Como assim? Como euzinha aqui posso não ser mais jovem? Digam, colegas do Olimpo, por que a semideusa aqui é definida por hormônios? E, assim, hordas de mulheres que não têm câncer, que têm teto sobre as cabeças, comida à mão na quantidade demandada, amor, carro e ao menos uma peça de roupa de marca internacional, se lamentam deprimidas com a falta de capacidade de atrair machos. E, vamos combinar, machos que já foram mais necessários.

Branca Boson

Ghostwriter & Copywriter Estratégica | Escritora I Apaixonada pela transformação de ideias em mensagens persuasivas

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Liliane Lana fiquei feliz demais com seu comentário, porque o que a vida quer da gente é coragem, né? 😊 Obrigada a você! 🥰

Fernanda Mourad Avelar

Comunicação Integrada- Branding- Comunicação Inclusiva-Planejamento- Engajamento-Produção de conteúdo- Eventos Corporativos

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Um dos melhores textos sobre a maturidade da mulher que já li; talento e pouco pra descrever tamanha elaboração e sabedoria traduzidas em palavras cirurgicamente aplicadas. Parabéns 👏👏👏❤️❤️❤️

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