Should I stay or should I go?

Should I stay or should I go?

No começo dos anos 1980, a banda britânica de rock The Clash lançou o disco “Combat Rock”, e uma das faixas era uma música que tocou à exaustão: “Should I stay or should I go?” – uma pérola, de uma dupla de compositores de raro talento, Mick Jones e Joe Strummer. A canção trata de uma pessoa atormentada por dúvida: ficar ou sair de um relacionamento amoroso. Embora o contexto da canção (uma decisão amorosa) e o deste artigo (retenção de talentos nas empresas) em nada a princípio se pareçam, a pergunta do título cabe em ambos: sair ou ficar – o que fazer?

A pandemia tornou a classe dos profissionais especializados em tecnologia – nas muitas ramificações que essa área tem, de programação/codificação até manutenção – ainda mais essencial. O mundo viveu praticamente dois anos se relacionando de forma remota. Home office, entregas por apps, reuniões remotas e tantas outras práticas vieram, ao que parece, para ficar. E esses profissionais sabem disso. O mercado de trabalho para quem está na área de tecnologia está aquecido como talvez poucas vezes se tenha visto.

É a 4ª Revolução Industrial em marcha: qualquer empresa hoje, dos conglomerados multinacionais às lojinhas de bairro, tem lá seu perfil nas redes sociais. Buscam ter seu espaço em algum marketplace. Desenvolvem suas cadeias logísticas – que podem ir de transporte marítimo em contêineres até a entrega por bicicleta. Todo isso exige um profissional (ou alguns deles) para cuidar da estrutura tecnológica envolvida.

A situação é tal que algumas empresas de maior porte por vezes nem conseguem preenchem todas as vagas. No cenário de hoje, faltam profissionais especializados. Por isso, as empresas que têm seu quadro de funcionários preenchido precisam lidar com um problema interessante: o que fazer para que eles fiquem? Se uma empresa rival oferece um projeto interessante, ou benefícios maiores, ou algo suficientemente atrativo, como a empregadora atual dele pode convencê-lo a ficar.

Bem, se o profissional chegou ao ponto de considerar a mudança, talvez o problema já estivesse no início – justamente na seleção.

Para as gerações mais novas, salários altos e alto grau de poder podem não ser os determinantes. A atratividade para ele está em outro conjunto de fatores, mais ligados a um mindset que talvez não seja o da empresa. Têm a ver com buscar inovação, querer fazer parte de um projeto, reconhecer-se no produto entregue, ver seus esforços reconhecidos, líderes que participem e se envolvam, sentir que o que o trabalho oferece não é só um meio de subsistência, mas uma experiência gratificante.

Profissionais especializados da área de tecnologia quase por definição trazem uma mentalidade que ultrapassa a simples manutenção de equipamentos – e de forma mais geral, a manutenção de cargos e posições e processos e práticas de trabalho tais como foram desde sempre. Com eles, vem muitas vezes uma predisposição para inovar. O que eles trazem, em suma, é uma cultura de transformação.

Isso significa que empresas tradicionais estão fadadas a ficar sem pessoal inovador e criativo? Não, claro. Mas sinaliza que níveis hierárquicos, job descriptions, processos engessados e políticas de RH amarradas não têm mais o lugar garantido, tranquilo e inquestionado que sempre tiveram. Se quiserem atrair e manter talentos em seus quadros, vão precisar rever o que estão fazendo para que a atração que ainda exercem não perca o brilho.

Vamos dizer que o modo de fazer com que quem pensa em sair ou ficar decida ficar – o “combo-retenção”, por assim dizer – tenha de conter, no mínimo, esses três itens:

  • Politicas de RH flexíveis;
  • Cultura de inovação e diversidade; e
  • Gestão desconstruída.

De baixo para cima: a gestão, entendendo-a como aquele estereótipo de executivos que mandam porque podem e que acham que quem tiver juízo vai obedecer. Isso não tem mais lugar – e com a realidade pós-pandemia, de mais e mais inserção de tecnologia em todas as empresas, terá cada vez menos, cada vez mais rápido.

Essa liderança terá de ser desconstruída (“demolida” talvez fosse um termo melhor, mas fiquemos com o primeiro). A nova liderança tem que ser exercida com ares de mentoria: estimular a criação, deixar as ideias fluírem, manter o debate e o diálogo sempre em níveis produtivos – e, talvez o mais importante: exercitar a cultura do erro. No velho mundo da gestão, erros eram ou alvos de críticas negativas, não raro humilhantes, ou causa para demissão.

Isso não tem mais lugar: o profissional de tecnologia que não encontrar um ambiente que acolha o brainstorming, que não seja implacável com erros, que não veja na liderança o direcionamento necessário para que os processos corram de forma eficiente e harmoniosa, vai procurar o quanto antes outro emprego.

Mas o gestor sozinho não faz mágica. O modo de ser da liderança precisa ser a versão aplicada da cultura da empresa como um todo. Abertura à inovação; a visão do erro como oportunidade para crescer num rumo diferente; comemorar as vitórias, sejam da equipe, sejam de indivíduos. Essas e outras características fazem parte de empresas com mindset voltado ao entendimento de que pessoas 

E o gestor precisa se desconstruir. Esses são o futuro – e a desconstrução precisa ir cada vez mais longe. São gestores que desfazem a imagem do executivo habituado ao top down – que se manifesta em duas ocasiões: distribuir tarefas, que devem ser realizadas segundo processos e métodos que ele julgue adequados (à revelia de qualquer ideia que a equipe possa ter) e cobrar resultados, distribuindo críticas e culpas a todos por qualquer mínimo desvio. Esse tipo de comportamento gera cinismo: a pessoa sob tal gestão fará apenas o mínimo, pouco se importando com o que está sendo feito. Isso porque o que entregam não terá nada delas, será só um produto. Operam no piloto automático, cego para propósitos.

O líder desconstruído gera o desconforto na medida necessária para mover a equipe em direção à inovação. Para que elas definam o novo caminho. O “como” chegar ao resultado tem de vir das equipes, das pessoas, e não de cima para baixo. E essa gestão convida a diversidade. Equipes compostas apenas de pessoas afins, experiências similares, culturas parecidas não são ambiente que proporcione discussão de ideias – porque todas tenderão a ser semelhantes. Mais abertura significa mais histórias diferentes, culturas singulares. A mistura daí resultante pode ser muito mais rica.

E por fim, mas não menos importante: o RH precisa ter esses três itens como base de sua política. Estimular a desconstrução de hierarquias rígidas, valorizar as pessoas, reconhecer o valor no que cada profissional traz para contribuir com o sucesso da empresa. E, aqui sim pode estar o ponto-chave: deixar tudo isso claro já na nos processos seletivos. Quanto mais transparência houver nessa fase, mais aderentes serão os funcionários escolhidos – e, claro, menos atritos surgirão por diferenças de cultura entre empresa e profissional. Não adianta, no momento em que a pessoa decidir sair, embalar uns tantos benefícios extras num pacote e oferecer como motivo para que a pessoa fique. Se as culturas não forem compatíveis, há chance de tal pacote ser visto mais como isca do que como motivo para ficar.

Mas, na chave mais positiva/otimista (e como disse Winston Churchill, não faz sentido não ser otimista), é possível também que você tenha sido contratado pela empresa no momento exato em que os seus valores e a cultura da empresa estavam alinhados. Se isso de fato aconteceu, um grande primeiro passo já foi dado – e aí a resposta para a questão do título seria: “You should stay” (“Você deveria ficar”). Claro, o fim da história não é o fim – é o começo de uma nova. Por isso, sempre valerá a pena verificar se esse alinhamento continua – se as práticas, políticas e processos da empresa mantêm o alinhamento com seus valores.

Eventualmente, o avançar do tempo trará transformações, em você e na empresa. O alinhamento inicial pode se tornar um desalinhamento – isso é possível (tanto no mundo profissional quanto em relacionamentos). Se a cultura corporativa ganhou traços com os quais você não mais se identifica, ou que contradigam abertamente seus valores, a ponto de sua visão de futuro divergir dos rumos que a empresa pretende seguir, aí talvez seja hora de dizer: “I should go” (“Eu deveria sair”). Tudo é questão de fazer a checagem periódica, e ver se a chama inicial continua acesa. Pensando bem, os contextos a que a pergunta inicial deste texto se aplica nem são tão opostos assim.

Juliana Neiva

Director of Procurement | Operations | Hospitality | People & Culture | Administration | Purchasing | Mentor | Food & Beverage *** Impact & Fulfillment ***

1 a

Muito bom o artigo! Parabens

MD Ana Paula Manasfi

Médica do Trabalho Coordenadora na Globo | Especialista em Medicina do Trabalho

2 a

Perfeita reflexão. Parabéns

R. Aylmer Ph.D.

Senior International Consultant at Aylmer Consulting

2 a

O que mais impacta o colaborador (e o EVP) é a distancia entre o que está na parede (Valores/ Missão / Propósito) e o que acontece nas salas (de reunião)... o desafio está na Maturidade Moral da organização...

alexandre echebarrena

Key Account Manager LATAM - EUREM Certified

2 a

Perfeito Tatiana. Hoje em dia mostro para minha equipe que devemos tentar sempre, mesmo que dê errado mas tentamos. E ajustamos para melhor na próxima tarefa. Isso é motivador. Costumo dizer que a nova geração enxerga o trabalho como um grande videogame, ou seja, cada dia é um desafio, uma nova etapa. E isso vai motivando diariamente todos.

Georgia V. A. Almeida

Senior Account Manager | Equinix Brasil

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Estava conversando sobre isso com o Alexandre Nunes ontem🌹 os valores pessoais e profissionais tem que conversar ❤️

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