SOB OS BASTIDORES DO CONCEITO DE "CAPITAL HUMANO" SUBJAZ SUTILMENTE "O INDIVIDUALISMO POSSESSIVO"
O grande desafio da sociedade hodierna é ter que enfrentar a ideologia da individuação que possui como objetivo a redução do sujeito-pessoa à um alguém reificado de forma crassa. Essa é a oferta para o homem pós-moderno como o melhor mecanismo na construção de uma nova história. Em outros termos significa: construir um mundo melhor pela via da “transcendência imanente”. Partindo dessa lógica, o livre mercado e o capital financeiro enfraqueceram todos os mecanismos de gerir a “Coisa Pública” e as diversas organizações não a partir da justiça e da ética e sim, dos interesses de sua imagem e semelhança determinando assim, o tipo comportamental que se deve seguir, não em favor da sociedade como um todo e, sim, para servir a demanda da ideologia do dinheiro e do lucro.
O objetivo desse gerenciamento que submete o Estado e a sociedade visa alterar todos os parâmetros que possa fazer uma mudança de paradigma a fim de manter o “status quo” que se arrasta há longo tempo, firmando um imaginário ideológico de submeter tudo aos interesses das megacorporações nacionais e transnacionais, aliás, que está sempre em mãos de uma minoria, embora sempre sem rosto, impessoal, mas muito ativa.
Na prática os Estados -Nações perderam sua autonomia e seu papel de defender os interesses do bem comum dos cidadãos, mas tornando todas as “pessoas”, a política e o próprio Estado, subjugado ao mercado financeiro para servir seus interesses.
O sistema em curso na conjuntura política socioeconômica frisa com muita propriedade o conceito de “individuação”, esse, traz em seu bojo a fragmentação do real, como desmantela o todo do tecido social. Em geral a população, salvo exceções, não possui a mínima consciência que essa visão de sociedade acaba com aquilo que é mais importante sob o ponto de vista de uma antropologia personalista, ou seja, o conceito de “indivíduo” que vale tanto para qualquer objeto quanto para o ser humano. Pergunta-se qual a diferença entre um objeto qualquer e o ser humano como indivíduo? É uma diferença crucial para se perceber o quanto somos enganados com uma linguagem que a princípio parece tudo igual. No entanto, há uma diferença significativa, ou seja, se o indivíduo serve para qualquer objeto, também um cadáver, a resposta está na “individualidade”, que na prática significa que a pessoa tem “consciência” de si, é um ser de significado e busca o sentido de tudo, principalmente da própria existência, afinal ela tem a capacidade de pensar, refletir, avaliar, portanto, possui “identidade” e, por outro, qualquer outro objeto não tem consciência reflexa, e muito menos capacidade de discernimento, pois lhe falta a razão.
É impressionante a sutileza da linguagem do livre mercado e do capital financeiro, pois frisa uma visão unidimensional da realidade, e com essa visão ideológica tudo se reduz a mercadoria, inclusive o ser humano. Daí a tragédia do século XX próximo passado e, que ainda segue no novo século. No artigo da semana que passou, tenho falado de uma “identidade postiça” fruto dessa concepção de mundo que reduz o humano a objeto grosseiro e simplista conduzindo a sociedade como um todo para a impessoalidade, massa sem rosto e submetida aos objetivos do dinheiro.
O... “neo-liberalismo” especifica o que distingue o “neo” liberalismo e suas variantes. O objetivo é limitado a apresentar a variação que prevalece na possessividade liberal, uma vez introduzindo o conceito de capital humano”. (BIAGINI, Hugo E – PEYCHAUX, Diego-Fernández – O Neuroliberalismo e a Ética do mais forte – Ed. Harmonia – 2016). E segue:
“...esta particularidade permite destacar a democracia mercantilizada economicamente com preços de exercícios de direitos ]...] para legitimar o paradoxo político neoliberal na qual as corporações econômicas tornam-se os únicos agentes morais”.
É sintomático perceber a sutilidade sistêmica e linguística do “neuroliberalismo” para o desmonte do conceito autêntico de uma visão antropológica, no qual se deve sempre frisar o ser humano como um ser de relações interpessoais e socializado. Esse conceito baseado numa antropologia personalista é o que recompõe o autêntico sentido da vida humana e sua dignidade. Ora, quando se acentua o conceito de “indivíduo” o humano é isolado e desse paradigma emerge uma barreira intransponível para reagir frente a essas ideologias despersonalizantes que fragmentam a realidade. Já Jesus falava: “Regnum in se divisum desolabitur)= Todo o Reino divido contra si mesmo é destruído). Esse é o fundamento da lógica do mercado. Dividir para dominar.
A ÉTICA, A FILOSOFIA ALIADA À ESPIRITUALIDADE TEM A MISSÃO DE CRIAR UMA NOVA CONCEPÇÃO DE MUNDO
A superação da crise em nível local e mundial está vinculada ao pensamento “iluminista” ao colocar a razão como absoluta, aliás, que é um mecanismo de desestruturação do humano e da própria realidade cósmica, incentivando de gavetas estanques, aliás, como já tenho abordado tal realidade em outros artigos publicados. Nesse contexto não há uma visão de conjunto do real, mas, desloca todo o tecido social a possibilidade de viver o sonho de realização na sua individualidade como o processo de socialização.
Portanto a questão dos especialistas é paradoxal, pois o fato real é que “sabem muito de pouco e pouco de nada”, embora antes de tudo devesse possuir um conhecimento geral e uma visão do todo. Sem margem de dúvida, tal postura faria a diferença no conjunto da sociedade, pois neutralizaria e relativizaria a concepção das “gavetas estanques” cujos mecanismos enfraquecerão o poder centralizador que está sob o domínio do livre mercado e do capital financeiro.
Em contrapartida, “...é visível a ânsia manifestada por numerosos cidadãos que querem ser construtores do desenvolvimento social e cultural, mas, [por outro lado] sentem os diversos bloqueios que impedem tal realidade”. (SILVA, Ari Antônio – Planeta Terra em Crise – Urge repensar a história com novos paradigmas” – Ed. Harmonia – 2017. E segue:
“...a sociedade nessa cultura pós-iluminismo, que reduziu tudo ao racionalismo exacerbado e absoluto, não oferece sequer condições para mudanças, ficando sem perspectiva de algo novo”.
A busca de resposta objetiva para a superação desse imaginário necessita retomar conceitos antropológicos que estejam conscientes de que somente resgatando a dignidade do ser humano como o respeito a ecologia ambiental, é que há possibilidade para uma profunda mudança de “concepção de mundo” onde se valorizará o homem e a realidade cósmica como uma totalidade e não fragmentada.
“...com um objeto não posso dialogar, não posso entrar num diálogo de eu-tu. E à medida que considero o outro um objeto para mim, algo que tenho, na mesma medida considero o outro como alguém que considera a mim como objeto. Consequentemente, procuro o máximo suprimir o outro em seu poder de “outro-igual-a-mim”, porque ele ameaça tornar-me seu objeto””. (op.cit Buber, Martin- O problema do homem – in SIDEKUM – Ética e Alteridade – A subjetividade ferida – Ed. Unisinos – Coleção Focus – 2002 – p.117). E segue:
“...é só à medida que o outro não é mais para mim um objeto diante de mim, algo que pretendo possuir e dominar, só nessa medida ele se torna realmente um tu dialogante numa interpretação ética. Só então há verdadeira comunicação pessoal, porque ele pode receber minha invocação e responder. Então temos o diálogo. Um objeto não pode responder-me”.
Caro leitor! Fica sempre mais explícita a necessidade de um ajuste no contexto da Conjuntura Político socioeconômico nesse momento da história, principalmente quando se aborda a questão de “indivíduo” e “individualidade”. A crise em curso da atualidade está vinculada a essa ideologia do ter, e, favorece não o bem da humanidade, e, sim, para saciar a ferocidade do mercado financeiro que tem suas próprias regras e quer sempre mais impor sobre a sociedade seus princípios. O mesmo acaba sendo submetendo o tecido social para seus objetivos.
O bem comum vai além do dinheiro. O dinheiro dever servir e não governar. É desumano o princípio imposto pelos que fazem do poder e do dinheiro o fim último da vida. Entende-se então a crise local e mundial como os distúrbios que essa concepção de mundo dissemina em todas as comunidades. Tudo é visto na lógica dos “cifrões” e não do bem comum e isso é um desastre para a própria humanidade.
É bom pensar!