Sobre cafeteiras e expectativas

Certa vez, cheguei ao trabalho com sono.

Passei pela portaria, caminhei até minha mesa, iniciei meu computador e enquanto o boot rodava, fui à cozinha e parei em frente a nossa grande confidente, uma cafeteira elétrica já bem antiga. Ainda munido de um sono incomum, enchi minha caneca e tomei um longo gole do fluído negro da sabedoria.

Para o meu desagrado, o líquido viscoso, doce e muito mais frio do que eu esperava desceu pela minha garganta, despertando uma série de sentimentos muito peculiares e, em sua maioria, muito negativos. Uma careta se formou na minha face.

Meu primeiro ímpeto, confesso, foi xingar alguém por ter deixado café do dia anterior na cafeteira. Embora seja uma iguaria para alguns, café frio dificilmente é apreciado como rito inicial de uma quinta-feira. Respirei fundo, venci a tentação e não reclamei por ter experienciado o desgosto da bebida gelada logo de manhã. Não porque eu seja um ser iluminado que sempre vence os impulsos de agressividade, mas essencialmente porque o único culpado por eu ter bebido aquilo era... bem, era eu mesmo.

Eu não perguntei a ninguém se o café era novo.

Eu não chequei se o café estava quente antes de bebê-lo.

Eu supus que o café estava conforme minhas expectativas, e simplesmente consumi.

Às vezes, precisamos entender coisas antes de consumi-las. E, por mais que não haja nada de pontualmente errado em criar expectativas, não podemos deixar que a decepção de uma expectativa não-correspondida nos atrapalhe. É uma falta de sensatez enorme descarregar nossas frustrações por coisas que imaginamos, nas pessoas que nos cercam e que, quase sempre, não tem nada a ver com nossos problemas.

Conformado com a sensação estranha do café gelado nas minhas papilas, esvaziei a cafeteira e comecei outro café, agora quente e fresco. Sabia que meu sono não iria se resolver sozinho e que, eventualmente, eu criaria outras expectativas ao longo daquele dia que poderiam, ou não, serem atendidas.

Na dúvida, pelo menos teríamos café fresco.