Sobre a lei e a ética

A tragédia no Rio Grande do Sul fez florescer o que estava adormecido: o sentimento de compaixão do povo brasileiro. Milhares de pessoas não identificadas se mobilizam para enviar roupas, agasalhos, alimentos, entre tantos outros itens, e ampliam-se as ações de arrecadação de dinheiro, atualmente muito mais eficientes com a ajuda do PIX. Grupos espontâneos de apoio surgem país afora. Todos unidos, movidos pela virtude da solidariedade.

No entanto, vê-se nos noticiários o aumento abusivo nos preços de vários produtos e serviços essenciais, como a venda de galão de 20 litros de água por R$ 80,00. As altas desproporcionais de preços se alastraram no fornecimento de gás, de combustíveis e de alimentos. O fato não é exceção. Na tragédia das chuvas em São Sebastião, no início do ano passado, foi manchete do jornal “O Globo” (22/2/2023): “Água por R$ 93, macarrão por R$ 20 e café por quase R$ 30: comerciantes se aproveitam da tragédia das chuvas em SP para inflacionar preços”.

Por ocasião do furacão Charley, que cortou a Flórida do Golfo do México até o oceano Atlântico, em 2004, Michael Stendel, em seu livro “Justiça”, mostra a manchete do jornal “USA Today”: “Depois da tempestade vêm os abutres”. Lá como cá, nas tragédias naturais, os preços se elevam além do que se imaginaria justo.

Mas o que é preço justo? Economistas observam que, nas economias de livre mercado, os preços são determinados pela oferta e procura. Essas tragédias são situações em que a oferta cai abruptamente em relação à procura, que, por seu lado, aumenta, inclusive para constituir estoques, em cenário de absoluta incerteza. Enfim, os preços não são controlados por lei e as pessoas são livres para fazer suas escolhas. É o jogo duro dos interesses individuais.

Contrapondo essa visão, Stendel cita o então procurador geral da Flórida que, ao escrever em um jornal de Tampa (FL) defendendo a lei contra o abuso de preços, observa que essa não é uma situação normal de livre mercado, pois os compradores, diante de emergência, estão coagidos e não têm liberdade de escolha. Nessas situações, a ética deve se sobrepor à frieza das leis e ao utilitarismo. Exige-se mais do Estado para garantir o bem comum.

Voltando ao Rio Grande do Sul; o Brasil tem leis e instituições de defesa do consumidor que estão repreendendo e multando abusos, mas os governos não têm se comportado adequadamente para organizar a ação coletiva. Ele próprio, governo, se aproveita da ocasião para obter possíveis (e incertos) dividendos eleitorais. Falta uma ação coordenada de Estado, com participação da sociedade civil, para construir uma governança eficiente visando organizar a distribuição eficaz dos bens que estão sendo doados pelos brasileiros. A única coisa certa a ser feita para coibir o desatino dos abutres é fazer chegar aos necessitados o que vem da virtude do povo brasileiro.

Sônia Diegues

Coaching e Consultoria Organizacional

7 m

Como sempre acerta no tema. 👏✍

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