Sobre se apaixonar aos 40
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Sobre se apaixonar aos 40

Escrito por mim, inspirado num skatista.

Um dia desses, perambulando numa das ladeiras da Vila Madalena, em São Paulo, ouvi uma frase de um moleque andando de skate que me disse o seguinte: "Ô tia, sai da frente por que senão a senhora vai morrer com a gangue que tá vindo aí." Olhei pra traz e vi que ele estava falando de um bando de skatista em alta velocidade.

Não me perguntem exatamente o porquê, mas fiquei enfurecida com aquilo. Primeiro que o “raparigo” de chapéu me deu uma ordem e depois me chamou de tia e depois ainda de senhora. Ah, mas não tive dúvidas. O sangue ferveu e eu, fazendo jus a minha fama de “retruqueira”, com a testa franzida, retornei em alto e nada de bom tom pra ele: “Oi? O que você disse? Não sou sua tia não menino. E a rua é pública. Vai andar na calçada.” Claro que ele riu da minha cara e ainda insistiu: “Vai morrer”.

E a história naquela tarde andou. Fui parar numa reunião de trabalho alí perto e contei o tal acontecido na mesa. Todos riram e seguimos a agenda. Fim do dia, peguei meu carro, busquei Pearl Jam no Spotify, e acelerei na longa e linda estrada, rumo ao interior, onde moro.

Foi neste caminho, com esta trilha, que lembrei do tal moleque. Ri alto, me olhei no retrovisor algumas vezes, relembrei a minha reação com a cena e pensei sobre ter 40 anos. Lembrei de tantos episódios que a vida me deu até chegar aqui. Ri alto de novo. Das enrascadas aos momentos de luxo.

Quando criança, as experiências com formigas no quintal, ser adolescente com cabelo seco e arrepiado, ter pé feio e usar sandália só aos 15. Sobre pegar carona com o motoboy desconhecido na grande São Paulo e depois ficar amiga da namorada do cara. Esperar sua melhor amiga receber o ticket pra comer comida japonesa, escrever sobre carros e dirigir uma BMW com portas que voam. E poder viver no bar do Amadeu e trabalhar na TV Bandeirantes. Ter a coragem infiltrada para dizer sim as viagens malucas como acampar em São Tomé das Letras e ir ao show do Ventania. Morar em Pira com o sonho de montar o Scania´s Bar, depois na Bahia pertinho do mar. Andar de bike em Amsterdã e conhecer a casa de André Breton em Paris. E ainda ter a sorte de trabalhar numa Companhia de cervejas até a delícia vocação de conhecer gente de qualquer e todo tipo e conectar pessoas nas festinhas e festonas por onde passei. Foram muitos cantinhos deste mundão, que sempre levaram e trouxeram algo diferente e, diria, entusiástico.

Sobre ser tia ou/e senhora, até que é verdade. O pivete tinha razão. Sou tudo isso e ainda continuo buscando a arte da paciência e a evolução por ouvir mais e falar menos. Talvez consiga aos 50 ou aos 60. E vou tentando.

E ainda, no final, quando o tal menino riu e disse “Vai morrer”, ele estava certo de novo. Sim, todos vamos, mas a grande questão é como vamos degustar a vida até lá. Por que hoje eu tô viva e com 40. Já amanhã não sei de nada.

Já ouvi pelos corredores onde passei que os 40 de hoje são os novos 30. Essa teoria pode até dar mais brilho aos pessimistas, mas esse não é o ponto. A questão é sobre ter 40 e entender que estar mais experiente pode não significar muito se você não praticar o que desfrutou até aqui. A turma que vive ao meu redor sabe bem que os 40 estão sendo imperdíveis. Não perco mais os shows que possa ir, trabalho duro, aprendi a fazer comes saudáveis, sei que o correto é dizer máscara de cílios e não rímel. Agora também bebo drinks (mesmo ainda a cerveja sendo a minha primeira opção). Ganhei uma “montblanc”, virei mãe mais exigente (esta parte Lele e Juju vão brigar comigo), mas a Luna, nossa dog nova, sempre recompensa. Uso óculos pra ficar com cara de publicitária moderna e virei fã do Queen.

E são estas exposições de pensamentos e sentimentos que me deixam mais apaixonada. Como diria a galera do dia a dia, “as vezes é preciso colocar a bunda na janela” pra gente mostrar para o que viemos. Tenho experimentado estar mais comigo e a colocar em prática os meus desejos, sejam eles certos ou errados. E isso é sobre ter e sentir paixão aos 40. Afinal, no final do dia, sou eu comigo mesma, ficando melhor para fazer melhor seja para mim, para alguém ou para quem for.

E sobre o tal moleque skatista, que nada sei, só tenho a dizer o meu muito obrigada pela inspiração.

Reginaldo Miguel

Tech Lead em Dados e Sistemas | Coordenador em Controladoria | Arquiteto de Solução | Inteligência Artificial Generativa GenAI | Microsoft Azure

4 a

Uau... Que texto! ^^

Marcelo Reis

Partner Troup Cyranos SP | Creative Leader | Strategist | Advertiser | Ativist | Conselheiro | Kitesurfer

5 a

Que belo texto.

Adorei Eliana! Depois dos 40, mais mulheres, donas de si e ouvindo mais, e falando apenas o que precisa ser dito! Parabéns!

Fabio Facchinetti Doria Leal

Gerente de Projetos, Des. de produto (Eng. de Atributo), Qualidade, 6-Sigma Green Belt

5 a

Se ele for um skatista de verdade, mesmo, vale a pena conversar com ele. Eles entendem bem de como lidar com medos, frustracoes, se recuperar de tombos (nos sentidos literal e figurado), persistencia, uso aguçado da percepção e superação. Palavra de quem ja foi um deles por 14 anos.

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