Sobre ser mulher no mundo corporativo

Sobre ser mulher no mundo corporativo

 Este ano, quando fomos pensar no quê comunicar no Dia Internacional da Mulher, escolhemos recitar Simone de Beauvoir, símbolo máximo do empoderamento feminino, que viveu numa época onde isso jamais seria aceito pela sociedade. Só que o mundo mudou, as relações mudaram e a mulher hoje participa de quase tudo. Mas gostaria de relatar algumas “situações” que vivenciei em 20 anos de profissão e que valem ser compartilhadas.

A primeira foi no meu segundo emprego, como assistente de marketing em uma grande empresa mineira de calçados. Como era uma empresa familiar, eu trabalhava diretamente com os donos (um casal bastante excêntrico) e passei a conviver mais com eles do que com a minha própria família. O dono, com o tempo, achou que poderia ter mais intimidade comigo e começou a me convidar para happy hours e jantares. Recusei todos os convites. Não foi, contudo, suficiente, pois sua mulher, já percebendo o movimento do marido, se antecipou e me dispensou sem nenhuma justificativa. Era melhor dispensar a “causa” de um futuro “problema”. Foi a minha primeira grande decepção no mundo corporativo, pois acreditava que fazia um bom trabalho e que, por ser uma empresa em franca expansão, eu poderia crescer junto com ela.

A segunda, foi no mercado de telecom (segmento em que atuei por 10 anos e que durante muito tempo foi liderado essencialmente por homens). Nessa época, eu era responsável, em conjunto a outra colaboradora, pela principal loja de uma operadora no estado de MG. Juntas, reportávamos a um gerente sênior, que deveria exercer sua função nos auxiliando a bater metas, na gestão da equipe e em outras atribuições. Todavia, não era o que acontecia. Ele aparecia de vez em quando, “raptava” a minha colega (aquela que dividia a loja comigo) e voltava algumas horas depois de “cabelo molhado” e muito “feliz”. Me fazia algumas perguntas, observava as vitrines, pedia para corrigir a posição de alguns aparelhos e ia embora “mais feliz”. Num belo dia ele também me convidou para um almoço e achei oportuno, pois poderia finalmente dividir e aprovar algumas ideias que tinha. Só que não. Ele não estava interessado nas minhas ideias e sugestões e sim, na proposta que me faria assim que pagasse a conta. Sem muito pudor, ele me convidou para conhecer o seu flat, que ficava perto do restaurante. Recusei o convite com muito medo e voltei para a loja. Após duas semanas fui desligada, sem muitas explicações. Essa foi doída, pois eu realmente achava que meu futuro estava ali. Senti um misto de raiva com humilhação. Não sabia o que falar com os meus pais, nem com meus amigos. Tinha vergonha de contar e eles acharem que eu não estava falando a verdade ou que eu tivesse dado motivos. A partir de então, passei a desconfiar das intenções de todos os chefes e colegas que tive na vida. Eu tinha apenas 23 anos.

A terceira “experiência” ocorreu quando eu tinha 32 anos e havia acabado de me mudar para o Rio de Janeiro. Minha filha tinha apenas 2 anos, mas eu queria muito me recolocar. Através de um head hunter, fui convidada para o processo de seleção de uma vaga com atuação nacional numa grande empresa de shopping centers. Era praxe, naquela empresa, ser entrevistada pelo dono da vaga (aquele que seria meu líder direto), pelo diretor da área e, pasmem, pelo presidente da empresa. Sim, passei por todos até chegar no presidente. Este, muito pragmático, após ter me deixado esperando por 3 horas (mas, ok, era o presidente e a última etapa), me fez meia dúzia de perguntas e, quando eu disse ser mãe de uma bebê de 2 anos, deu uma risadinha e me perguntou como eu conseguiria me dedicar à posição e ser mãe ao mesmo tempo. Expliquei que meu marido era também executivo, presidente de empresa, assim como ele, e, portanto, tinha condições para financiar empregadas, babás e todo um aparato que me permitiria ser executiva e mãe, assim como eles. Desnecessário dizer que não fui selecionada, não é? Saí dali certa de que a vaga não seria minha.

Enfim, posso dizer que a minha trajetória como mulher no mundo corporativo não foi nada fácil! Poderia ficar uma tarde inteira relatando casos de assédio, preconceito, discriminação e outras gracinhas que nós, mulheres do mundo inteiro, temos que conviver há centenas de anos.

Por acreditar que podemos ser aquilo que quisermos, que podemos e precisamos ser tratadas de forma igual a qualquer homem, termino esse texto relembrando nossa querida Simone de Beauvoir - escritora, filósofa e uma das primeiras feministas que o mundo moderno conheceu.

“Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.”

Feliz dia da mulher a todas nós!


Vinicius Cordeiro

Gerente Executivo Comercial e Inteligência de Mercado

6 a
Mauro.Lucio Conde

Fundador Blog Do Maluco(+1,200.000 leitores) meu propósito é: contribuir p/ aumentar seu valor profissional e pessoal!

6 a

Cris - Texto forte, história de luta e de conquistas pois você sempre soube impor seus valores e princípios - por isso é essa profissional tão vitoriosa hoje!

Paula A.

Especialista no desenvolvimento de projetos de comunicação

6 a

Obrigada por isso, Cris. Texto corajoso e empoderador.

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