Sobre sonhos que você sonhou (quando você sonhava sempre)

No meio de um verdadeiro CAOS profissional (e social, nesse momento do país) eu fico pensando o quanto de insanidade é preciso para seguir com um projeto que não deveria acontecer num ano como 2018.

Explico: em 2011, quando eu e a Flávia (Saad) sonhávamos em criar conteúdo original sobre a cidade onde a gente mora, a gente resumia tudo na palavra MOVIMENTO.

Sonhar com um mundo melhor é utopia se a gente não sonhar com uma cidade melhor. Assim eu a Flávia sonhamos juntas em fazer uma Santos melhor através de algo que estivesse ao nosso alcance: criar conteúdo digital.

Troca

Logo depois e de maneira bem informal, tivemos a ideia de fazer um clothing swap entre pessoas que se conheceram através da comunidade do Juicy Santos. Era uma forma de reduzir o consumo e tentar uma modalidade nova de colaboração entre mulheres, quando mal se falava de empoderamento.

Foi tão bacana que pensamos em transformar isso em algo que pudesse gerar grana para projetos sociais da região. Afinal era colocar em pauta duas questões: uma conscientização sobre consumo e a necessidade de cada um como cidadão de "fazer a sua parte".

Sete anos depois está em nossas mãos - e de uma dezena de voluntários e profissionais - o maior evento de economia circular + solidariedade da região. Eu diria que talvez um dos maiores do país.

Na última edição foram mais de 1.800 pessoas que compareceram para comprar, doar e festejar conosco. Com essa movimentação nós arrecadamos mais de 10.000 peças de roupas e objetos novos e seminovos e conseguimos arrecadar R$ 92.720 reais num mega esforço coletivo - e doamos essa grana para duas ONGs.

O impacto para o Instituto Ecofaxina foi salvar a vida financeira de 2017 dos caras, que estavam quase encerrando as atividades por conta de um ano de aluguel atrasado e nenhum apoio do setor público.

O Instituto Beaba recebeu a outra metade da doação e continuou brilhando muito com seus projetos, inclusive recebendo duas premiações internacionais em 2018 além de outras indicações e premiações nacionais.

Nosso crescimento, da primeira edição (2011) até a última (2017)

Durante o processo de organização do Juicybazar, além desse impacto para as ONGs a gente nota um micro impacto que também me emociona muito.

Você veste o que você quer ser

As rodas da nossa vida econômica começam pelas nossas roupas e pela nossa auto estima. Com elas nós passamos uma boa imagem numa entrevista de emprego, numa palestra, num encontro com alguém importante para o nosso futuro. O Juicybazar consegue ofertar acesso à milhares de pessoas que se reconhecem em novos estilos, ampliam suas possibilidades de consumo e reconstroem um repertório que mora dentro das portas de um armário.

Durante o voluntariado eu não me canso de ouvir frases como:

• "Essa é boa para você ir na entrevista de emprego".
• "Essa calça será ótima para eu trabalhar".
• "Preciso de uma roupa para um evento importante".

Entre outras milhares de frases. O aumento do poder econômico das pessoas quando elas passam pela porta do Juicybazar chega a ser 85% maior do no varejo tradicional, por exemplo. É como se a gente estivesse numa blackfriday e nosso dinheiro fosse tão valioso quanto uma libra esterlina.

Novos donos para velhas coisas

A vida desses itens é longa: é como se adicionássemos mais uma etapa no processo de consumo. Depois do design > fabricação > distribuição > varejo, a gente adiciona a doação e o nosso varejo solidário.

Em resumo, o MAKE > TAKE > WASTE vira MAKE > TAKE > DONATE > TAKE para apenas depois disso o produto ser descartado. Aí sim, pode dar origem a outros processos como reciclagem, descarte e decomposição adequada.

Com isso, ao longo desses anos a gente já perdeu a conta de quantos produtos nós reinserimos no mercado, mas calculo entre 30.000 e 40.000 tranquilamente.

Sobre sonhos

Por mais que até agora tudo seja lindo e o Juicybazar pareça uma ~sacada~ (como o Érico Rocha zoou essa palavra, não?) os bastidores não são tão românticos. Quando a gente sonhou com esse evento eu e a Flávia tínhamos vidas bem diferentes e arrisco a dizer que o mundo era bem diferente também.

Nós sonhamos o evento puramente como empreendedoras, cheias de idealismo. Muita mão na massa e pouca gestão. Ao longo dos sete anos a gente viu que precisava de gestão, até porque o próprio evento e público demandaram isso. A primeira edição rolou dentro do escritório da Mkt Virtual, no TIP, num espaço de 40 metros quadrados. A próxima edição ocupa mais de 500 metros, tranquilamente. Não haviam materiais, comunicação, caminhão de mudança, dezenas de pessoas doando e ajudando, nada disso.

A gestão entrou em cena com todos os seus brilhos - e sombras também. Em 2017 fizemos um evento grandioso sem dinheiro. E os problemas começaram a bater.

Sustentabilidade?

Em março de 2018 eu tive a oportunidade de receber um prêmio na Áustra (em conjunto com o Instituto Beaba, inclusive). Eu aproveitei o networking internacional e a visita à ONU para aprender bastante e acabei me conectando com a Janine Warner, autora incrível e ex-editora do Miami Herald.

Conversamos muito sobre jornalismo local e ela ficou impressionada com a história do Juicy Santos. Deu muitas dicas e inputs e disse que pela pegada de comunidade do Juicy Santos nós deveríamos ter algum projeto ligado à causas sociais.

Respondi que já tínhamos, que começamos isso há 7 anos, que tínhamos uma arrecadação incrível e que o Juicybazar só vinha crescendo.

Depois de uma breve pausa, ela fez a pergunta que a gente varre para debaixo do tapete há alguns anos

"Ótimo. Como vocês fazem esse evento ser sustentável?"

A gente não faz.

Ela foi bem dura e pragmática comigo. Disse que, se o Juicybazar não virar um negócio social e não se transformar num projeto sustentável, o projeto tem dia e hora pra morrer. Na verdade ela só verbalizou uma verdade que a gente já teve um gostinho em 2017, quando tivemos MUITA dificuldade em conseguir parceiros na base da amizade e relacionamento.

O chão se abriu.

Tivemos muitas dúvidas sobre o Juicybazar em 2018. Tentamos captar dinheiro na iniciativa privada e as respostas eram sempre lindas, elogiosas mas sem dinheiro envolvido. A única empresa que colocou um dinheiro (R$ 3.300) no projeto foi, adivinhe quem?

O primeiro cliente da história da Mkt Virtual - as irmãs Vanessa e Veridiana Paulella, que me receberam prontamente e se colocaram à disposição para ajudar.

Só que para fazer o evento com tranquilidade e oxigênio, nós deveríamos ter arrecadado no minimo 10 vezes isso. Quem me conhece sabe que não sou muito adepta ao desistir facilmente, mas esse ano eu reproduzi a cena abaixo umas 100 vezes.

Eu escrevo isso faltando 7 dias para o Juicybazar e sei que essa sensação ainda não acabou.

Mas escrevo isso também para me lembrar daqui a algum tempo que nenhuma gestão minuciosa pode matar os sonhos de uma época onde a gente sonhava todos os dias.

Se tem uma coisa que 2018 me ensinou é que a gestão está para o sonho do empreendedor assim como o baiacu está para a gastronomia japonesa: se você não a preparar certo, a gestão vai te envenenar.

O maior veneno possível é deixar de sonhar.

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Se você leu até aqui, meu muito obrigada. Você já viu que eu gosto de sonhar, e se você tá com algum desafio aí manda uma mensagem para a gente conversar. Quem sabe a gente não sonha junto com a Mkt Virtual ou uma das empresas do grupo?