Sobre um bolo torto
Semanas atrás eu levei um bolo de presente para celebrar o aniversário de duas amigas queridas que o trabalho novo me trouxe. Apesar de todos os meus esforços, no trajeto São Bernardo – São Paulo, de manter o bolo inteiro, ele chegou lá levemente inclinado. Era um bolo lindo, saboroso, que mandei preparar com todo carinho. Mas estava torto. Na hora de servir eu coloquei na mesa com a parte torta virada para mim. Não cansava de olhar o bolo pensando: é um bolo torto. Que droga que deixei ele ficar assim.
Aí uma dessas amigas me chamou a atenção de um jeito que me tocou visceralmente. É assim que você vai ensinar a Lis, Rafa? É esse o modelo que ela vai querer ter?
Bateu fundo. Eu não quero que a minha filha copie esse meu olhar tendencioso, essa mania que sempre tive de estabelecer para mim mesma essa medida exagerada de olhar o que não está funcionando e o que não está dando certo, a despeito de todo o resto.
Aconteceu de novo essa semana, mas dessa vez não foi o bolo. Foi uma apresentação que fizemos e gerou bons resultados – mas eu olhei exatamente para a parte que não deu certo e não funcionou. O meu olhar extremamente crítico e severo – comigo mesma, sobretudo – foi elencando mentalmente o que poderia ser melhor. Não comemorei o que deu certo. Foquei no que não deu.
Foi assim na vida escolar. Acostumada a tirar notas altas, eu me criticava se ela descia meia casa decimal. Fazendo um breve retrospecto da minha vida inteira, me dei conta de que foi assim sempre, em diversos contextos, de diversas formas.
E não foi bom.
Até aqui.
Porque um filho costuma mesmo ser um divisor de águas importante na vida de qualquer pessoa – e na minha, em especial, de forma profunda.
Não quero que minha filha seja dura consigo. Não quero que ela sofra tentando perseguir metas impossíveis ou gastando energia tentando caber em espaços que não são gentis com ela. Não quero que ela se cobre tanto. Mais que isso: não quero que ela perca o foco no que importa e deixe de apreciar a beleza do caminho. E muita dessa beleza vem justamente da desorganização, da confusão, de achar graça no que está errado, imperfeito e diferente.
A ordem, afinal, nasce do caos. É assim que o Universo tem funcionado.
E o caos, como a bagunça, o erro, o bolo torto e os slides que não foram apresentados, pode sim ser bonito.
Tenho me transformado para que minha filha também se permita transformar. Dia após dia. Passo a passo, no tempo e no compasso que ela desejar. O nascimento de Lis tem me feito renascer (e me reinventar) todos os dias. Tenho certeza de que, no final do dia, ela não está preocupada com os meus cabelos tão diferentes de antes (que, duramente também, tanto tenho criticado) ou com os quilos a mais que ganhei. Lis se importa com o que realmente deveria importar para mim e para todos nós: muito carinho, comida gostosa, um lugar quentinho para dormir, ter suas necessidades todas entendidas e atendidas.
Porque no fundo a gente precisa, para ser feliz, do mesmo que ela: muito pouco. Quem aumenta as metas, as réguas, os pesos, somos sempre nós mesmos. É essa a batalha mais difícil, na vida, que precisamos travar: contra o que a gente costuma pensar, às vezes tão severamente, sobre a gente.
IoT RFID Project Analyst
2 aSumemo Rafa!!!!
Recursos Humanos | Manufatura | Plano Estratégico | Excelência Operacional | Gestão da Mudança | Projetos | Processos | Inovação | Gestão de Riscos | Liderança
2 aE diga-se da passagem, o bolo estava maravilhoso!!!! Obrigada!!!