A Solidão do Líder

A Solidão do Líder

Quem lidera está constantemente pressionado. Colaboradores, clientes, fornecedores, investidores e o próprio mercado cobram o tempo inteiro posições e repostas. As atitudes de uma pessoa na posição de liderança devem ser ponderadas e responsáveis com uma série de fatores, como gestão de processos, de equipe, de relacionamentos interpessoais, vendas, finanças, contábeis, jurídicas e legais. Tomar decisões complexas como essas para liderar um grupo é uma enorme responsabilidade e manter um relacionamento baseado na confiança, no respeito e no exemplo representam um desafio diário repleto de dúvidas, inseguranças e uma boa dose de solidão.

Liderar, definitivamente, não é um papel fácil, mas precisamos de boas pessoas que tenham essa coragem e capacidade, afinal já temos maus líderes demais, sejam eles profissionais ou pessoas ruins. Quem lidera precisa dar o exemplo e algumas intimidades e comportamentos devem ser evitadas especificamente por quem está nesse papel pelo significado interpretativo que essas atitudes podem gerar. A ação de uma líder, devido ao seu papel representativo, sempre ganha dimensões diferentes. Dessa forma, embora se mostrar acessível e presente seja condição importantíssima para uma boa gestão de equipe, é imprescindível compreender que o afastamento, em certo ponto, também é necessário.

Sendo assim, assumir que as relações de amizade com a equipe não devem se sobrepor às relações profissionais parece óbvio na teoria, afinal o relacionamento entre gestores e colaboradores não pode favorecer tomadas de decisões distorcidas ou o tratamento diferenciado a grupos específicos. Porém, na prática, impor barreiras e assumir distanciamentos é um movimento difícil. É natural que as relações do ambiente de trabalho favoreçam vínculos de amizade e consequentes intimidades mas o líder, mesmo que se sinta e seja parte disso, precisa saber se distanciar da sua equipe para que ela tenha sua própria liberdade para extravasar, brincar, conversar, reclamar e julgar, como invariavelmente todos fazem em outros ciclos. Incluindo o próprio líder.

Erros vão acontecer e o mais importante é que se possa realmente aprender com eles. Porém, acertando ou errando quem lidera passará por julgamento o tempo inteiro. Esses julgamentos podem ser dolorosos e muitas vezes até um pouco arbitrários: como a maior parte das pessoas não têm acesso a todas as informações que um líder tem, condenam posicionamentos e ações sem terem uma visão completa sobre os fatos. Porém, ainda que arbitrários não se pode crucificar o julgamento alheio pois todos fazem isso o tempo inteiro fora do trabalho, incluindo o líder. Julgamos – e até xingamos - o técnico de futebol que faz uma substituição diferente da que esperávamos sem levar em consideração a vivência dos treinamentos, do dia a dia e de uma série de fatores extracampo que podem ter sido predominantes para a tomada de decisão. As analogias são infinitas. Quantas vezes, por exemplo, não mudamos de opinião sobre um personagem no meio de um filme conforme vamos conhecendo melhor a história e os contextos?

Assim como um técnico não deve expor ou compartilhar todas as dúvidas e decisões com o restante da equipe ou com a torcida, uma diretora ou um gestor precisam saber guardar para si o que não compete aos demais, pois não cabe a eles a responsabilidade, preocupação ou e pressão pelas resoluções que se espera do líder. Ter que apontar direções sem dividir o peso dessas responsabilidades, invariavelmente, irá gerar inseguranças, mas o líder precisa aprender a conviver com essas dificuldades e aceitar que será avaliado o tempo inteiro, afinal, está tomando decisões que afetam a vida de várias pessoas.

Uma vez carregado de responsabilidades, inseguranças e impossibilitado de tornar pública todas as suas dores e dificuldades no trabalho, o líder tende a levar seus problemas para casa e se debruçar sem fim sobre o assunto, tornando-o repetitivo e massivo ou a fingir que os problemas não existem e não compartilhar com mais ninguém. Pouco se fala sobre isso, mas nenhum dos dois casos é saudável e é necessário encontrar caminhos para dividir, compartilhar, pedir ajuda, extravasar ou mesmo desabafar em um ambiente que proporcione segurança e blindagem das relações no trabalho. O líder, como representante e catalizador das tomadas de decisões, ainda que tenha um perfil descentralizador, precisa compreender que seu papel, em essência, é solitário e as pessoas com quem mais poderá dividir as dificuldades e obter algum conforto possivelmente serão outros líderes, de outros lugares.

Um líder não pode querer ser herói ou irá se machucar toda vez que precisar tomar decisões duras, toda vez for incompreendido e julgado, ainda que saiba que fez o que era correto. Se a solidão do líder se faz um mecanismo necessário para execução das tarefas e da responsabilidade que lhe é atribuída, caberá também a ele encontrar formas de ressignificar as relações para que elas sejam sustentáveis, saudáveis e prazerosas. Incluindo a própria relação consigo e com a sua solidão.

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