STJ afasta o benefício da inversão do ônus da prova em favor do Ministério Público
Entendimento foi decidido em ação civil pública consumerista devido à ausência de hipossuficiência presumida do órgão
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) inovou, no julgamento do REsp 1.286.273-SP, em 8 de junho de 2021, ao entender pela inviabilidade da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor - CDC) em favor do Ministério Público (MP), consignando, ainda, que a inversão do ônus probatório deve ocorrer em momento anterior ao da sentença, por se tratar de regra de saneamento – e não de julgamento.
O artigo 6º, VIII do CDC estabelece como direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive, com a inversão do ônus da prova, desde que observados dois requisitos legais: a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência da parte.
A jurisprudência do STJ estava se consolidando no sentido de que, no âmbito de ação cuja matéria versasse sobre direito do consumidor, o MP faria jus à inversão do ônus da prova, tendo em vista que o mecanismo previsto no art. 6º, VIII do CDC busca concretizar a melhor tutela processual possível dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos e de seus titulares – na espécie, os consumidores –, independentemente daqueles que figurem como autores ou réus na demanda.
Acórdãos proferidos pelo STJ
Diversos acórdãos proferidos pelo STJ consideravam, inclusive, que na ação consumerista proposta pelo Ministério Público sequer se indagaria a hipossuficiência do demandante, sob o fundamento de que a presença do MP como substituto processual, por si só, seria suficiente para justificar o deferimento da inversão do ônus probatório.
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A despeito de tal posicionamento, no julgamento do REsp 1.286.273-SP – oriundo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual (MPE) –, o STJ inovou ao entender pela inviabilidade da inversão do ônus da prova, por reputar não ser possível presumir a hipossuficiência da parte autora, visto que o órgão ministerial não pode ser considerado opositor enfraquecido ou impossibilitado de promover, ainda que minimamente, o ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito.
No caso concreto, apesar de a matéria de fundo estar vinculada a contratos de seguro individual – os quais constituem contratos de adesão, e, portanto, oferecerem mínima ou nenhuma ingerência ao consumidor –, o STJ decidiu que tal situação não autoriza a desmedida inversão do ônus probatório, haja vista que a demanda é movida pelo MP, entidade que não pode ser considerada hipossuficiente, pois dotada de amplo poder investigatório de espectro administrativo pré-processual, cercando-se de vasto aparato técnico e jurídico para alcançar e reunir um conjunto probante para fazer frente ao ônus de prova.
Precedente favorável aos fornecedores
No mesmo julgamento, o STJ reafirmou, em consonância com a jurisprudência da Corte, que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII do CDC, é regra de saneamento e não regra de julgamento, motivo pelo qual a decisão judicial que a determina deve ocorrer antes da etapa instrutória, ou quando proferida em momento posterior, garantir a parte a quem foi imposto o ônus a oportunidade de apresentar suas provas. Desse modo, destacou a necessidade de que a inversão do ônus da prova, quando cabível, ocorra em momento anterior ao da sentença, a fim de possibilitar à parte onerada a plenitude do direito de produzir a prova considerada necessária para a sua defesa.
O posicionamento firmado pelo STJ representa, portanto, um precedente relevante e favorável aos fornecedores, por retirar a inversão automática do encargo probatório nas ações consumeristas promovidas pelo MP e prestigiar o contraditório ao fixar o momento processual adequado de inversão do ônus probatório.
Fonte: Mattos Filho