Storytelling, Peugeot e Realidade Imaginada.

Storytelling, Peugeot e Realidade Imaginada.

Recentemente, numa das minhas viagens de trabalho, comprei o livro “Sapiens- Uma breve história da humanidade” do Harari, apenas como forma de distração pois faltavam mais de 3 horas pro meu embarque e eu já estava no aeroporto. Logo no início do livro me deparo com uma parte totalmente dedicada ao ato de contar histórias e como isso influenciou no desenvolvimento da humanidade, um incrível exemplo do poder do storytelling, totalmente baseado no livro resolvi escrever algumas coisas trazendo conceitos e trechos desse livro fantástico.

É fácil concordar que só o homem é capaz de falar sobre coisas que não existem de fato e acreditar em coisas impossíveis somente por terem sido contadas por outras pessoas. Nunca convenceremos um macaco a lhe dar uma banana prometendo-lhes bananas ilimitadas após a morte no céu dos macacos.

O ato de contar histórias é um dos traços mais característicos de humanidade, a famosa fofoca é o que nos possibilitou, ao longo da história, a construir amizades, hierarquias, caçar ou lutar juntos, Diferente de outros animais, como os chimpanzés, que constroem colônias de até 50 indivíduos, nós pudemos formar bandos maiores e mais estáveis.

Pesquisas sociológicas demonstraram que o tamanho máximo natural de um grupo unido por fofoca é de aproximadamente 150 indivíduos. A maioria das pessoas não consegue fofocar efetivamente sobre mais de 150 pessoas. Abaixo desse número não há tanta necessidade de uma hierarquia formal, um pelotão de 100 soldados pode funcionar com o mínimo de disciplina formal e relações íntimas.

E quando esse limite de 150 indivíduos é ultrapassado?

Aí a coisa muda um pouco de figura, não é possível comandar uma empresa com milhares de funcionários da mesma forma que se comanda outra com 20. Negócios pequenos de sucesso normalmente enfrentam uma crise quando crescem além desse limite e contratam mais funcionários.

Então como vencemos e ultrapassamos esse limite crítico fundando cidades com dezenas de milhares de habitantes ou grandes corporações com milhares de funcionários?

Muito provavelmente foi o surgimento da ficção. Um grande número de estranhos pode cooperar se acreditar na mesma história. Toda cooperação humana em grande escala se baseia em mitos partilhados que só existem na imaginação coletiva das pessoas. Dois católicos que nunca se conheceram, por exemplo, podem lutar juntos numa cruzada cristã. Dois advogados que nunca se viram podem unir esforços para defender um completo estranho baseados em sistemas judiciais e mitos jurídicos partilhados.

É um pouco difícil de conceber, nos dias de hoje, que nossas instituições modernas funcionam exatamente na mesma base dos homens primitivos que acreditavam em Deuses e espíritos ou dançavam juntos em torno de uma fogueira. Os advogados e executivos de hoje são como feiticeiros poderosos a diferença é que esses “xamãs dos tempos modernos” contam história muito mais estranhas.

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Imagine por exemplo a Peugeot que conta com 200 mil pessoas no mundo todo e a maioria delas completamente estranhas umas às outras e cooperando de maneira muito eficaz. Em 2008 a Peugeot gerou uma receita de aproximadamente 55 bilhões de Euros com um 1,5 milhão de automóveis produzidos.

Mas como pode-se afirmar que a Peugeot S.A existe?

Se de repente surge uma lei que todos os carros Peugeot devem ser retirados de circulação e eliminados a empresa continuaria a existir e poderia produzir novos carros e novos relatórios. Se repentinamente um desastre matasse todos os funcionários e destruísse completamente todas as fábricas e escritórios a empresa poderia construir novas fábricas e comprar novos maquinários. Todos os gestores poderiam ser demitidos e todas as ações vendidas e a empresa permaneceria intacta. Não significa que a Empresa Peugeot S.A é invulnerável, se um juiz ordenasse a dissolução da empresa a Peugeot desapareceria imediatamente.

A peugeot existe de fato?

A Peugeot S.A é um produto de nossa ficção coletiva e isso é conhecido pelos advogados como “ficção jurídica” não é um objeto físico mas existe como entidade jurídica. A empresas de responsabilidade limitada, a exemplo da Peugeot SA, são totalmente dissociada de seus acionistas, mas estão submetidas às leis dos países em que opera, paga impostos, abre contas, tem propriedades e pode ser processada separadamente de qualquer um de seus acionistas ou pessoas que trabalham nela. Se a empresa tomasse emprestado milhões de francos e então falisse, Armand Peugeot não deveria a seus credores, afinal o empréstimo fora concedido a Peugeot. Armand Peugeot morreu em 1915. A Peugeot empresa, continua firme e forte até hoje.

A peugeot foi criada exatamente como os padres e feiticeiros criaram deuses e demônios ao longo da história, contando histórias e convencendo pessoas a acreditar nelas, no caso dos padres a história crucial foi a da vida e morte de Cristo. De acordo com essa história todo domingo os padres com vestes consagradas devem realizar determinado ritual em suas igrejas pelo mundo todo falando solenemente as palavras certas e milhões de católicos devotos se comportam como se Deus de fato existisse no pão e no vinho consagrados.

No caso da Peugeot a história crucial foi o código jurídico francês. se um advogado certificado seguisse todos os rituais e liturgias adequados uma nova empresa seria incorporada. Uma vez que um advogado desempenhou todos os rituais corretos e pronunciado solenemente todos os discursos e juramentos necessários para a criação da Peugeot, milhões de pessoas começaram a se comportar como se a empresa realmente existisse.

Contar histórias não é fácil, mais difícil ainda é convencer os ouvintes a acreditarem nelas. grande parte da nossa história gira em torno da questão de como convencer pessoas a acreditarem em histórias específicas sobre deuses, sobre raças ou sobre corporações.

Contar histórias não tem a ver com contar mentiras. Ao contrário das mentiras esse fenômeno de contar histórias e tecer uma rede de histórias que movimentam milhões de pessoas em um objetivo comum é conhecido nos meios acadêmicos como “Realidade imaginada”. Ao contrário da mentira a realidade imaginada é algo que todo mundo acredita, e enquanto essa crença existir, exerce influência no mundo.

Alguns feiticeiros são charlatões mas a maioria acredita sinceramente na existência de deuses e demônios. A maioria dos ativistas dos direitos humanos acredita sinceramente na existência dos direitos humanos.

O ser humano vive em uma realidade dual. De um lado A realidade objetiva dos prédios, carros, rios e do outro lado a realidade imaginada de deuses, nações e corporações, com o passar do tempo a realidade imaginada, em muitos casos, tornou-se responsável pela realidade objetiva cuidando de rios, árvores, pessoas.

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Quando um indivíduo descobre o poder que isso tem, consegue fazer com que milhões de estranhos cooperem por um objetivo comum. É sabendo disso que muitos empreendedores, artistas e políticos veem cada vez mais buscando desenvolver técnicas de storytelling, persuasão e influências, não para inventar histórias apenas, mas para convencer pessoas a acreditarem e se mobilizarem em prol das ideias, crenças, mitos em que eles também acreditam.

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