Sua empresa é digital?
por: Sergio Coffoni
O ano era 1994. O início da internet. As organizações começaram suas primeiras experiências ocupando espaços na rede mundial de computadores. Não demorou muito para que preocupações com velocidade de conexão, interfaces mais amigáveis e complexidade de programação começassem a desafiá-las.
O segmento de serviços logo começou a incorporar as inovações tecnológicas da época. Os shoppings trocaram seu tradicional mapa de lojas por quiosques de orientação ao cliente. Foi a primeira onda de uma inovação tecnológica chamada de “multimídia”.
Enquanto isso, eu estava em um momento de transição de carreira. Com uma experiência na área de produto, eu havia migrado da indústria para um novo universo chamado de “serviços”. A empresa onde eu trabalhava havia construído uma história de sucesso, desenvolvendo projetos de comunicação visual e montando pontos de venda para o setor de varejo. Foi quando ela decidiu ingressar no mundo virtual.
Minha missão era identificar oportunidades de desenvolvimento de projetos e serviços ao cliente, envolvendo a tal multimídia. Lembro-me que nas grandes empresas onde discutíamos a viabilidade do serviço, considerando a novidade, todos ficavam maravilhados. Afinal, explorar a interatividade com pessoas no ponto de venda parecia um sonho. Entretanto, os anos se passavam e apesar do assunto [multimídia] ser unanimidade na comunidade de marketing das grandes organizações, ninguém tinha a menor ideia de como esta inovação tecnológica poderia ajudar de fato nos desafios de negócio. Alguns anos depois, finalmente as empresas compreenderam que “multimídia” era “meio” e não “fim”.
Os anos se passaram e hoje estamos em meio a um novo dilema: empresas digitais versus empresas analógicas. Parece que um novo modismo se instalou no discurso das organizações: “Temos que ser uma empresa digital!”
Vinte e três anos se passaram, e parece que estou de volta ao passado. Um estudo publicado em janeiro de 2017 realizado pela Consultoria Deloitte, teve como tema: "As regras para era digital nas organizações". A pesquisa afirma que 88% das empresas acreditam que precisam redesenhar a organização para ter sucesso na era digital. Entretanto, só 9% entendem como a sua rede de organização interna funciona e apenas 11% sentem-se completamente capazes de redesenhar suas organizações para o futuro.
Mas afinal, o que é uma empresa digital?
Há quem defina como uma empresa que possui um bom ERP (sistema de gestão integrada), que utiliza bem as mídias sociais, dispositivos móveis, informações em nuvem e uma infinidade de aplicativos integrados ao processo.
Mas, será que somente o uso da tecnologia credencia uma empresa para era “digital”?
De que adianta discursos como: “Aqui, fazemos reuniões via Skype para ganhar tempo e diminuir os custos.” quando na realidade, há uma cultura onde, se o colaborador não está presente fisicamente, pode ser interpretado como não engajado? Neste cenário, alguns traços culturais da organização impõem uma segregação velada. Como podemos afirmar que proporcionamos mobilidade, se não conseguimos proporcionar o mesmo nível de participação aos colaboradores remoto?
Quantas destas chamadas “empresas digitais” estão preparadas para fazer gestão por objetivos e não pelo horário de trabalho? Mesmo que a tecnologia proporcione todo o suporte para o trabalho remoto, isso requer responsabilidade e disciplina do colaborador. E, como a maioria das empresas não sentem que seus colaboradores possuem este nível de maturidade, torna-se mais fácil incentivar que estejam presentes nas instalações da empresa, onde os gestores podem controlá-los. Na percepção destes gestores, fiscalizar, é menos complexo a proporcionar um ambiente de autonomia responsável. A velha prática da cadeia de comando-e-controle.
Em uma empresa digital, o “trabalho em qualquer lugar” pressupõe pessoas altamente engajadas, com um bom nível de clareza de como funciona o negócio, como são os processos, qual o significado do trabalho delas, que valor estão produzindo ao cliente, como a contribuição delas se conecta ao propósito de vida de cada uma e quais atividades proporcionam uma curva de aprendizado em linha com expectativas delas. O protagonismo não é somente incentivado. É também cobrado a partir dos mecanismos de gestão e da cultura organizacional.
Outro ponto crucial que separa as empresas analógicas das empresas digitais é a forma como gerenciam a performance de seus Colaboradores. Vamos deixar claro que uma empresa existe para proporcionar valor aos clientes e obter lucro como recíproca. Se isto é verdade, existem investidores que fizeram uma aposta nesta ideia. Como explicar aos acionistas, que embora o resultado das avaliações de performance estejam em linha com as expectativas iniciais, o resultado financeiro ficou aquém do que foi projetado?
Um dos maiores problemas da gestão de performance começa com o desalinhamento do real propósito deste processo. Quantos gestores compreendem que esta é uma atribuição crucial e que impacta diretamente no maior centro de custo das organizações? (custo de pessoal)
As empresas com mentalidade analógica, embora tenham bons referenciais de gestão, não conseguem fazer com que seus gestores se apropriem do papel da forma correta. Este quadro tende a piorar ainda mais com a chegada dos Millennials ao mercado de trabalho. Um público com senso crítico apurado e que acreditam que “chefe” é parceiro e não um sargento, nem auditor.
Analisando o perfil destes gestores, normalmente são pessoas com um viés técnico e que em um determinado momento de carreira, se perceberam tendo que cuidar de pessoas. Como atenuantes, se veem frente a necessidade de planejar e tomar decisões cotidianas envolvendo toda a área. E no final, o dever de apresentar os indicadores (quantitativos e qualitativos) em linha com o planejado. Trata-se de um ambiente de forte pressão, que ainda sofre interferências das suas características pessoais e do seu momento de carreira.
Diante dos desafios do cotidiano da área, muitos se queixam da falta de tempo de qualidade, para que possam conduzir o ciclo de gestão da performance de maneira individual. (dimensionar e comunicar metas, obter comprometimento, acompanhar, fornecer feedbacks, avaliar, proporcionar aprimoramento para o próximo ciclo)
Como resultado, temos um grande investimento tecnológico em sistemas de gestão da performance. Porém, sub utilizados ou utilizados de maneira errônea. Pois a escassez de tempo acaba tornando uma poderosa ferramenta de gestão estratégica da área em "mais uma enfadonha rotina administrativa orquestrada pelo RH".
O ápice desta atribuição protocolar, se dá no momento em que os Gestores precisam avaliar o desempenho individual, baseado nos indicadores apurados durante todo o período (normalmente anual). Como pode um Gestor avaliar algo que não observou e nem acompanhou? Diante do desconforto, a tendência é de leniência nas avaliações, buscando com isto o autoconvencimento de que está sendo justo.
O mesmo estudo citado acima, demonstra que a evolução tecnológica alcançou altos índices de mudança, enquanto a produtividade dos negócios apresentou uma leve curva ascendente. Este gap representativo é classificado como “potencial de performance do negócio”. Tais indicadores reforçam a ideia de que as práticas de gestão precisam evoluir exponencialmente, uma vez que a tecnologia é capaz de suportar este novo mindset de gestão.
Dentre outros elementos que denotam uma necessidade de mudança de mindset para era digital, pergunto por exemplo: Quais as iniciativas para eliminação de papel estão sendo promovidas na sua empresa? Quantas estão preparadas para um workflow de processos com aprovações via assinatura digital? Quantos serviços on-line estão ativos, com um tempo de resposta plenamente adequado às demandas?
Em resumo, uma empresa digital deve ter algumas características básicas: ser on-line, flexível, escalável; que trabalha por objetivos e que proporciona a todos um bom nível autonomia responsável.
Voltando à minha experiência do passado com o assunto “multimídia”, os empresários precisam compreender que em uma organização digital, tecnologia é meio e não fim.
Recursos Humanos / RH / HR / Business Partner / Desenvolvimento / DO / Consultora / Coordenadora
7 aBoas reflexões, Sérgio! Compartilhei...