A sucessão aplicável à união estável. Quem são os herdeiros? Quanto cabe a cada um?
O Código Civil de 2002 previa um regime sucessório próprio para famílias constituídas por união estável, em contraste com a regra para a sucessão em famílias constituídas pelo casamento. Isso gerou duras críticas e questionamentos por alguns anos.
Poderia a legislação inferior (o Código) estabelecer um regime diferente para a união estável, enquanto a nossa Constituição, de 1988, havia protegido os direitos decorrentes dessa união tanto quanto os do casamento? A resposta que prevaleceu é negativa. Para esclarecer o regime de sucessão em uniões estáveis, idêntico ao dos casamentos, vou resumir abaixo a decisão do Supremo Tribunal Federal, que pôs fim à confusão: Recurso Extraordinário 878.694/MG, relatado por Luís Roberto Barroso e decidido, por maioria, em maio de 2017. No caso julgado, a viúva vivia em união estável com seu companheiro há quase 10 anos quando ele morreu.
O falecido não havia deixado pais, avós, filhos ou netos. Apenas três irmãos, que viviam longe, e a companheira. Nessas condições, pelo Código Civil, se eles fossem casados, a viúva receberia a totalidade da herança – e os irmãos não receberiam herança (art. 1.829, III). Mas, como viviam em união estável, pelo mesmo Código Civil (art. 1.790, III), a viúva só teria direito a 1/3 dos bens adquiridos onerosamente (ou seja, mediante compra e venda ou troca) na pendência da união. Pior: enquanto a viúva que era casada, mesmo se concorresse com outros herdeiros, teria direito de habitação sobre o imóvel em que o casal vivia, o mesmo direito não assistiria à companheira em união.
A discrepância era enorme. Quando a questão chegou ao Supremo a confusão sobre o tema era tanta que no Rio, por exemplo, julgava-se inconstitucional a diferença de tratamento, enquanto em São Paulo e em Minas julgava-se o oposto. Prevaleceu o entendimento – mais coerente com a Constituição – de que cônjuges (isto é, pessoas casadas) e companheiros (isto é, pessoas em união estável) devem receber a mesma proteção quanto aos direitos sucessórios; e o modelo sucessório do casamento foi estendido, assim, para as uniões estáveis.
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No caso concreto julgado no Supremo, a viúva em união estável recebeu os mesmos direitos que receberia uma viúva casada: a totalidade da herança, sem qualquer quinhão para os irmãos do falecido. Mas o STF foi além e determinou, para todo o Brasil, a aplicação do regime sucessório das famílias fundadas no casamento, do art. 1.829 do Código Civil, também para as uniões estáveis, assegurando ao companheiro sobrevivente, ainda, o mesmo direito de habitação (art. 1.831).
Então, quem herda e quanto herda nas famílias com união estável? Ninguém gosta, mas a resposta é... depende. Depende de quem são os parentes que concorrerão com o companheiro do falecido. Se forem filhos, por exemplo, o recebimento da herança pelo (a) viúvo (a) vai depender do regime de bens adotado e dos bens efetivamente deixados – mas atenção: a meação do(a) viúvo(a) sobre os bens adquiridos onerosamente na união estável está garantida, a menos que o regime seja o da separação de bens; meação não é herança.
No entanto, se os parentes mais próximos forem os pais, e não houver filhos, então, não há o que questionar: o(a) viúvo(a) dividirá a herança em partes iguais com os ascendentes vivos, independentemente do regime de bens. Se, enfim, não houver ascendentes ou descentes vivos, o(a) viúvo(a) herdará sozinho – como aconteceu no caso julgado pelo Supremo . Os parentes colaterais – primeiro os irmãos; na falta destes os tios e, enfim, na falta destes, os sobrinhos – só herdarão em último caso, se o falecido não tiver deixado outros parentes mais próximos e, tampouco, cônjuge ou companheiro vivos. (Cf. art. 18 29 do Código Civil) Por fim, m esmo quando não herda, o(a) viúvo(a) tem direito real de habitação no imóvel em que o casal morava – se fizer parte da herança – seja ele cônjuge ou companheiro sobrevivente . (art. 1831 do Código Civil)