Sustentabilidade na gestão de um Megaevento Esportivo
A sustentabilidade vai muito além de plantar árvores e dar a destinação adequada aos resíduos.
Em toda uma empresa esportiva de sucesso, a sustentabilidade está inserida em seu DNA. Ela já se inicia em todo o processo de gestão da empresa. Toda tomada de decisão deve levar em consideração o equilíbrio no tripé social, econômico e ambiental.
A escolha da cadeia de fornecedores e parceiros, é um bom exemplo. Em todos os contratos, a sustentabilidade deve estar presente como pré-requisito, já direcionando o mercado a remar junto nesse objetivo. Não basta vivermos isolados em uma ilha de boas práticas se não tomarmos a postura da empresa como partido para transformação do mercado. É a famosa reação em cadeia.
Darei alguns exemplos que fizeram parte da minha jornada profissional como membro da equipe de Sustentabilidade, Acessibilidade e Legado (SAL) do Comitê Organizador das Olimpíadas e Paralimpíadas Rio2016. O evento recebeu a certificação ISO 20121, que reconhece a sustentabilidade em eventos. Isso significa que todo o processo passou por extensa e rigorosa auditoria.
De todos os fornecedores 100% assinaram compromisso com práticas sustentáveis, sendo 83% deles nacionais. Isso significa também um compromisso em serem empresas livres de mão de obra escrava ou infantil.
Sabe aquilo que parece impossível? Pois bem, no Brasil não existia empresa para oferecer o peixe certificado para as refeições. E o Comitê precisava de 70 toneladas! Isso mesmo! A oportunidade de mudar o mercado estava ali e foi aproveitada. Além de exigir no contrato, a equipe contribuiu no treinamento das empresas locais para obtenção da certificação.
O resultado? Criou-se um novo mercado mais qualificado com as práticas sustentáveis. O pescado oferecido era certificado. E isso torna sua garantia de qualidade. O mesmo ocorreu com a carne bovina, 100% proveniente de regiões sem desmatamento. A madeira seguiu o mesmo rumo, com a certificação FSC.
As medalhas foram uma inovação à parte. Além de ter seu ouro proveniente de fontes sem o uso do mercúrio (para quem não sabe este é altamente poluente), as medalhas paralímpicas foram as primeiras a emitir som quando chacoalhadas. O ineditismo se deu através do uso de guizos com diferentes sons para distinguir o ouro da prata e do bronze, tornando-as acessíveis aos atletas com deficiência visual.
As próprias logos foram criadas por designers nacionais e em 3D permitindo a todos conhecer seu formato também através do tato. Lembro-me que no totem da sede do Comitê Rio 2016 que ao toque, a logo paralímpica vibrava no pulsar das batidas de um coração.
Foram realizadas parcerias através da Coca-Cola com 33 cooperativas de catadores para atuação na coleta e separação do lixo produzido na operação dos jogos. Além disso, esses catadores atuavam como agentes educadores, levando informações para os espectadores e auxiliando na correta separação dos resíduos.
Ao invés de fazer a contratação de grandes empresas, priorizou-se dar oportunidade a cerca de 1.000 pequenas e médias empresas através de uma parceria com o SEBRAE. Foram mais de 4.800 contratos. Um exemplo de sucesso dessa parceria foi a compra das almofadas dos lounges e dos quartos da vila dos atletas, graças à parceria com uma cooperativa de artesãs. As almofadas contavam a história dessas cooperativas em português e inglês.
Havia um programa de gestão de animais, que os resgataram quando em situação de risco. Foram 152 animais, desde cobras, capivaras, gambás, morcegos e até gatos e cachorros. Os silvestres foram devolvidos ao seu habitat, já os gatos e cachorros foram para o centro de adoção onde foram batizados com nome de atletas olímpicos.
No Boom da construção e reforma de hotéis para receber a enorme demanda por quartos nos jogos, foram realizadas visitas em mais de 65 deles para análise do grau de acessibilidade e envio de um relatório apontando possíveis melhorias. Um trabalho que envolveu o engajamento dos hotéis e o compromisso com a disponibilização de quartos acessíveis Foi necessário para isso, o desenvolvimento de uma metodologia própria para a criação de um banco de dados refinado.
Os aeroportos do Rio receberam simulados de acessibilidade. Foi um dia de treinamento da mão de obra sobre como atender pessoas com todos os tipos de deficiência no volume grande que receberíamos simultaneamente e como manusear corretamente cada equipamento. Vale destacar que além de cadeiras de rodas comuns, existem as de competição, que também vão no porão das aeronaves. Foi a primeira vez que vi um telão de informações em libras.
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E a educação? Através do Transforma, programa de educação do Rio2016, 15.958 escolas receberam visitas para levar aos mais de 8 milhões de alunos em 3.032 cidades o conhecimento de várias modalidades esportivas, incluindo a sua experimentação.
Você toparia sair para almoçar vendado? Essa foi uma das propostas de experimentação das deficiências que foram realizadas no Comitê com os colaboradores. E se você pudesse viver um dia em uma cadeira de rodas? Com 10 cadeiras de rodas doadas pela Ottobock, parceira dos jogos, foi realizado um programa interno aos colaboradores de experimentação de um dia em uma cadeira de rodas. As cadeiras foram disputadíssimas. No fim, os relatos eram incríveis de uma equipe impactada e ainda mais conscientizada.
Mas essas cadeiras foram ainda mais longe. Em uma iniciativa da EOM (Empresa Olímpica Municipal), as mesmas cadeiras foram para o canteiro de obras realizar um treinamento com os operários. O legado fica na capacitação desses profissionais e no próprio Parque Olímpico, com seu alto nível de acessibilidade.
A criatividade fez parte também das cerimônias. Só a cerimônia de abertura dos jogos olímpicos, por exemplo, teve um orçamento 10 vezes inferior à Londres 2012. Tudo graças ao uso de inovação e tecnologia.
E a destinação de tudo após os jogos? Bom isso ocorreu de duas formas: houve um portal de leilão com cerca de 20 mil itens e um de doações para entidades públicas e sem fins lucrativos de cerca de 46 mil itens.
A própria sede do Comitê Rio 2016 era um exemplo de sustentabilidade. Eficiência energética, reaproveitamento de águas pluviais, acessibilidade e instalação modular no estilo container: teve dias que ao chegar na sede, uma ala completamente nova havia sido incluída. Esta instalação foi 80% reaproveitada após desmontada com o fim do evento.
E o conhecimento? Foram 23.582 colaboradores que receberam treinamento específico em sustentabilidade e acessibilidade através do e-learning (plataforma de treinamento online). Isso sem contar os que receberam treinamento presencial nas venues.
E as emissões de carbono? Houve um cuidado muito rigoroso em todo o processo. Cada etapa foi calculada e tudo o que não pode ser reduzido foi compensado.Todos esses dados estão mais detalhados no Rio2016 Sustainability Report. Recomendo a leitura!
Esse artigo buscou revelar o que está abaixo da ponta do Iceberg, além do óbvio que já se difunde por aí. Temos o metrô até a barra, o Boulevard Olímpico, o Porto Maravilha, o VLT, os BRTs que embora ainda em conclusão, já atendem a população nos trechos já finalizados. Temos o investimento, ainda que não tenha chegado a 100% como esperado, da despoluição da Baía de Guanabara. Temos o aproveitamento de instalações existentes e criação de novas no conceito de instalações temporárias (overlays) ou destinadas a novos usos, como a Arena do Futuro. A própria pira olímpica, para quem não se lembra, foi a menor da história em consumo de gás.
Houve investimentos que impulsionaram o desenvolvimento do Rio de Janeiro, e algumas obras de infraestrutura ainda estão sendo finalizadas .
Tudo o que foi realizado seria impossível sem os parceiros, tanto entes governamentais, quanto stakeholders que abraçaram a causa e as ONGs que acompanharam e contribuíram com cada processo.
E em Tokyo2020? Bom, esse fica para um próximo artigo!
Quando o trabalho parecer maior que você ou até mesmo impossível de realizar, distribua sementes. Multiplique o conhecimento.
Mestre em Ciências Biológicas
1 aLegal, meus parabéns.
Auxiliar Administrativo Comercial - SAC (Freelancer) na Paper Box Saq Indústria & Comércio de Embalagens Ltda
1 aParabéns pelo artigo Bia !!! 👏🏻👏🏻👏🏻
Assistente Administrativa - DCO -Diretoria de Competições -CBF
1 aExcelente artigo. Digno de uma palestra. Pense nisso 🙂.