Tênis brasileiro não está pronto para João Fonseca

Tênis brasileiro não está pronto para João Fonseca

Marcelo Loureiro , Mestre e doutorando em Gestão Esportiva pela Florida State University


Há pouco mais de seis meses, em junho do ano passado, publiquei por aqui um artigo comparando as carreiras de Marta no futebol feminino e Caitlin Clark no basquete feminino. Ainda que eu tenha focado mais na importância de um storytelling convincente para a marquetabilidade de atletas e modalidades esportivas, aquele artigo ajuda a demonstrar meu argumento de que o trabalho de marketing esportivo é sempre uma combinação de competência e sorte, ainda mais em se tratando de construir interesse por uma modalidade nova.

Se por um lado um profissional de marketing esportivo deve apresentar competência para adaptar e aplicar boas práticas e ideias, por outro também depende de fatores de sorte diretamente relacionados ao caráter competitivo dos esportes.

Nesse sentido, o tênis brasileiro parece muito próximo de ter a sorte batendo à sua porta mais uma vez, tornando fundamental que se discuta como não perder a oportunidade que vem se construindo para a próxima década. Se, no passado, desperdiçamos o potencial que nomes como Maria Esther Bueno e Guga tinham de ajudar a consolidar o esporte no país, nosso país parece prestes a ser presenteado com a maior geração de sua história no esporte. Essa geração, por óbvio, deve ser capitaneada por João Fonseca (18) – que atualmente acumula onze vitórias seguidas, incluindo os títulos do NextGen Finals e do Challenger de Camberra, conquistado no último sábado –, mas conta também com jovens promessas como Luís Augusto Miguel (15), no masculino, e Victoria Barros (14) e Nauhany Vitoria (14), no feminino.


Nauhany Vitoria - Foto: Marcello Zambrana

Se a sorte parece se avizinhar, portanto, é importante que já exista uma preparação para transformar esse esperado sucesso em quadra em combustível para a consolidação do esporte no cenário brasileiro na próxima década. Esse artigo, assim, é uma tentativa de discutir o complexo cenário que cerca o tênis internacional atualmente, buscando entender como ele se aplica ao Brasil. Como sempre, gosto de salientar que não tenho qualquer expectativa de esgotar uma discussão tão complexa em um texto de poucos parágrafos. Pelo contrário, minha ideia aqui é focar em uma discussão que tem ganhado tração no ambiente do tênis internacional nos últimos anos, especialmente em países de maior tradição no esporte, e debater sua aplicação ao contexto brasileiro.

Em uma de suas coletivas de imprensa em Wimbledon no ano passado, Djokovic discutiu como o tênis tem perdido espaço para outros esportes de raquete nos Estados Unidos e na Europa. Os exemplos citados por ele na ocasião foram o pickleball, que tem se popularizado especialmente no país norte-americano, e o padel, esporte que mais cresce no continente europeu. A preocupação de Djoko – e de vários executivos ligados ao tênis – se justifica pelo fato de que esses esportes vêm roubando um market share significativo dentro do mercado de esportes de raquete internacionalmente, ameaçando projetos de base no tênis.

Como o próprio Djokovic descreveu em sua declaração, muitas quadras de tênis têm sido transformadas em quadras de outros esportes por questões econômicas, tomando espaço de um esporte já bastante consolidado nos dois continentes.

Ao analisar esse cenário sendo discutido fora do Brasil, no entanto, é importante entender que o tênis brasileiro se encaixa em um contexto absolutamente diferente. Isso porque o cerne da crítica elaborada por Djoko é a perda de espaço (tanto físico quanto de mercado) do tênis para outros esportes de raquete, o que não ocorre – e não deve ocorrer – em território brasileiro. Antes de mais nada, então, nos cabe entender os cenários norte-americano e europeu, para então entender como o Brasil se difere deles.

Em 2017, segundo dados da International Tennis Federation (ITF), Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unido tinham 15,8%, 10,2%, 9,4% e 4,8% do total de quadras e 17,1%, 12,9%, 10,9% e 4,5% do total de clubes de tênis no mundo, respectivamente. Além disso, enquanto os EUA ultrapassaram a marca de 23 milhões de participantes no esporte em 2022, ao menos sete países europeus possuíam pelo menos um milhão de participantes – os números para Alemanha, França e Reino Unido eram de 3,5, 4,7 e 3,3 milhões, respectivamente, de acordo com a Tennis Europe. Esses dados mostram uma participação massiva nesses países, com participação de mercado muito acima do proporcional às suas populações tanto no número de quadras quanto de clubes.

Para as principais potências mundiais, portanto, o teto já parece muito próximo de ter sido atingido, e a luta para os próximos anos se torna muito mais de manutenção do que de crescimento do esporte. Esportes como o pickleball e o padel, nesse cenário, se tornam mais vilões do que aliados, conforme argumentado por Djokovic.

No Brasil, por outro lado, o cenário é bastante diferente. Não encontrei nenhuma fonte confiável com relação ao número de participantes do esporte no país, mas os dados da ITF sobre o percentual do país no total de quadras e clubes são alarmantes. Enquanto o Brasil possui apenas 1,0% das quadras de tênis mundiais, é também o quinto país com maior percentual de clubes, com 6,3% dos clubes de tênis registrados no mundo. Os números mostram uma concentração absurda da participação no esporte em clubes, tornando as oportunidades para um público maior praticamente inexistentes. O reflexo desse problema estrutural foi claramente apresentado em relatório divulgado pela Statista em setembro do ano passado: o público do tênis no Brasil é muito mais escolarizado, rico, masculino e velho do que a média da população nacional. Em outras palavras, o tênis é um esporte muito mais nichado e elitizado no Brasil do que nas principais potências da modalidade.

Com base nisso, então, vejo esportes como o pickleball e o padel, mencionados na declaração de Djokovic, além do tênis de praia, como potenciais aliados ao crescimento do tênis no país, e não como concorrentes. Como bem pontuou o tenista sérvio, o tênis é – e sempre será – o rei dos esportes de raquete no mundo, e naturalmente dominará esse mercado em praticamente todos os cantos do mundo. Ainda assim, enquanto em um cenário de pouca margem potencial de crescimento (como o observado na América do Norte e na Europa) esses esportes passam a disputar participação de mercado, em um contexto de grande potencial de crescimento eles passam a ser aliados. Participação e audiência esportiva caminham lado a lado, e o Brasil certamente estará fadado ao fracasso mais uma vez caso não corrija seu problema infraestrutural, que não permite uma participação mais acentuada em esportes de raquete.

Maria Esther Bueno e Guga não foram suficientes para que o Brasil desenvolvesse e consolidasse uma cultura tenística, e é completamente irrazoável imaginar que João Fonseca – não importa quão bom seja ou quão bem acompanhado esteja em sua geração – consiga nos levar por um caminho diferente sem o desenvolvimento de uma infraestrutura adequada ao redor do país. Essa infraestrutura, no meu entendimento, deve comportar não só quadras públicas de tênis, mas também de outros esportes de raquete cujas quadras são mais baratas e cuja dinâmica muitas vezes agrada mais ao público iniciante. O tênis de praia parece ser o mais promissor desses esportes no Brasil, mas seu crescimento no país ainda não parece levar a um aumento nas oportunidades de prática de esportes de raquete para uma parcela maior da população.

No ano passado, conversei com o presidente da Federação Alemã de Padel sobre esse assunto, e ele reforçou a ideia de que essa mudança estrutural pode levar décadas para acontecer. Seu foco tem sido justamente a construção de quadras por todo o país como meio de desenvolver a modalidade em terras germânicas. Sendo assim, não podemos esperar muito até que mudanças drásticas sejam tomadas na estrutura do tênis (e de outros esportes de raquete) brasileiro. João Fonseca tem hoje pouco mais de 18 anos, e recém conquistou apenas seu terceiro título profissional.

Se quisermos que sua carreira alavanque o potencial do esporte no país e que o tênis deixe de ser um esporte de nicho, essas mudanças precisam acontecer muito antes do seu auge – observando seu desempenho recente, arrisco dizer que já estamos bastante atrasados.

Lei das vantagens comparativas. Somos bons em futebol. Bora dedicar tempo em lapidar jogadores de futebol. Na Etiópia eles são monstros nas maratonas. João Fonseca trilhará um caminho maravilhoso e vamos torcer para ele. Mas não iremos ser o "país" do tênis.

Excelente análise , Marcelo Loureiro, a base vem forte e que o Brasil possa proporcionar mais oportunidades de prática de esportes de raquete!

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