Talentos da base ainda são ignorados por gestores.
Por Cláudio Garcia
A palavra talento, em sua origem grega, depois adotada por romanos, celtas e anglo-saxões, significava unidade de peso e de valor. Na Idade Média, ela começou a ser associada a habilidades e aptidões naturais, presenteados por Deus aos homens. Essa mudança de significado e uso foi influenciada pela passagem evangélica sobre talentos de Mateus, onde os servos que escondiam os talentos para de volvê-los sem usá-los eram penalizados, enquanto aqueles que os investiam e as multiplicavam eram recompensados.
Aparentemente, organizações exageraram em um dos lados da interpretação bíblica – não na origem divina, mas bastante na inevitabilidade do talento. Explico: empresas tendem a aguardar resultados apenas de trabalhadores aos quais atribuem terem os “talentos” - geralmente, definidos com base em estereótipos – e não de dedicam a nutrir e desenvolver as capacidades de outros colaboradores que não se encaixam no rótulo, especialmente aqueles com baixos salários.
Entretanto, possivelmente, na maior pesquisa realizada para entender profissionais com salários baixos, Joseph Fuller e Mangari Raman, de Harvard, analisaram dados de mais de 180 mil trabalhadores e entrevistaram mais de mil CEOs de grandes organizações globais. Concluíram que, apesar dos líderes dizerem que suas empresas possuem políticas para dar condições adequadas de trabalho às pessoas com salários mais baixos, elas não têm mecanismos básicos de gestão e atribuição de responsabilidades para garantir isso.
Muitas organizações reclamam que não encontram pessoas preparadas para ocupar as posições ou que o turnover é uma infeliz realidade de vários salários. Porém, elas não possuem indicadores de quanto aumentariam seu resultado se reduzissem o turnover. Ou, ainda, quanto ganhariam em produtividade com melhor atenção de seus líderes. E não estamos falando de coaching quântico, liderança transcendental ou outras teorias idílicas sobre esse papel. A pesquisa mostra que profissionais apenas precisam saber se estão fazendo seu trabalho bem, onde podem aprender a melhorar e quais são os possíveis caminhos para progredir na carreira.
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Contudo, gestores, principalmente próximos da operação, com muitos reportes diretos – medida comum para reduzir custos -, não conseguem se dedicar a atividades básicas de gestão que poderiam mudar a performance. E mesmo que liderassem times de tamanhos adequados, são cobrados por produtividade geral, estimulando cobrança e desestimulando desenvolvimento. Não são, como deveriam, monitorados pelo sucesso dos liderados, ou seja, o quanto se dedicam a melhorar as capacidades de cada indivíduo ou times inteiros, e que naturalmente aumentariam a produtividade e reduziria o turnover.
O mais interessante da pesquisa – e que deveria ser o óbvio – é que profissionais de salários baixos querem ficar em suas empresas e valorizam estabilidade. Suas vidas são mais complexas do que se pode imaginar. Acesso precário à saúde, educação dos filhos, distância do trabalho, violência social e problemas de moradia são realidades que sugerem que esses trabalhadores não precisam mais de riscos.
Um experiente executivo de uma empresa com mais de 100 mil funcionários confidenciou: “Gastamos 99% do nosso tempo discutindo o futuro de 1% daqueles “talentos” que já tem tudo e que precisam, enquanto ignoramos o resto”. E concluiu: “Possivelmente, a um alto custo invisível para a organização”. Não porque não pode ser mensurado, mas porque passa distante de como interpretam e cuidam de talentos.
Por Cláudio Garcia, presidente da Outthinker Networks e ensina gestão global na Universidade de Nova York.
Texto publicado no Jornal Valor em 28 de setembro de 2023.
Engenheiro Mecânico e de Produção - FEI PUC/SP
1 aO mais incrível é saber que muitos gestores ainda não permitem que seus colaboradores pensem de forma mais ampla, esquecendo-se que pessoas com formações diferentes não ficam restritas a uma só linha de pensamento por estarem melhor preparadas para usar seus conhecimentos com maior efetividade, conseguindo com isso resultados mais criativos, multidisciplinares e envolventes.