Tecnologias exigem novas discussões do equilíbrio entre segurança e privacidade

Tecnologias exigem novas discussões do equilíbrio entre segurança e privacidade

Não há quem tenha ficado imune à brincadeira. Mesmo aqueles que não gostaram do resultado e se recusaram a postar nas redes sociais sua própria imagem envelhecida (ou mais raramente rejuvenescida) por um aplicativo gratuito fizeram o teste… Mas nem todos estão levando a novidade com bom humor. O líder da oposição no senado dos Estados Unidos, Chuck Schumer, de Nova Iorque, acaba de pedir ao FBI, a polícia federal do país, que investigue o FaceApp.

Uma série de boatos de internet vem sendo difundidos a respeito do uso indevido de dados pelo aplicativo. Embora não haja qualquer evidência de má intenção por parte dos desenvolvedores, a política de privacidade é vaga e permite a cessão dos dados a terceiros. Políticos americanos vêm se manifestando publicamente contra sua disseminação por temores quanto à segurança dos usuários. Uma das alegadas preocupações diz respeito ao fato de os dados serem armazenados em São Petersburgo, na Rússia, país com o qual os Estados Unidos historicamente alimentam uma série de hostilidades – algumas vezes mais veladas, outras mais abertas.

O FaceApp, por meio de uma nota publicada no website especializado em tecnologia TechCrunch, negou de antemão qualquer possibilidade de mau uso dos dados fornecidos pelos participantes da brincadeira. A empresa Wireless Lab, responsável pelo desenvolvimento e difusão do aplicativo, afirma que não armazena imagens permanentemente, e não coleta dados – mas apenas envia fotos selecionadas pelos próprios usuários para que sejam automaticamente editadas, num processo no qual quase todos as informações são deletadas em 48 horas. Ainda segundo a nota, os resultados podem ser obtidos sem fazer login, e 99% dos usuários agem dessa maneira, de forma que não há acesso a dados complementares da pessoa. Diz ainda que, embora a maior parte dos desenvolvedores do programa estejam sediados na Rússia, os dados dos usuários não são transferidos para aquele país, e que não compartilha informações com terceiros.

Mesmo que a preocupação dos políticos oposicionistas dos Estados Unidos possam vir a ser consideradas exageradas, o debate se dá, de fato, por causa de uma tecnologia que vem provocando muita polêmica em círculos de especialistas e começa a chegar também à esfera pública de debates: o reconhecimento facial instantâneo. Os dispositivos que permitem esse efeito estão evoluindo rapidamente, e em alguns casos já há a possibilidade de aplicação em larga escala. Colocados em lugares de concentração de pessoas, como sistemas de metrô, arenas esportivas, shopping centers, têm o potencial de aumentar o nível de segurança em ambientes críticos, rastreando de forma instantânea aqueles que estão presentes e que podem de alguma maneira representar ameaça; podem ajudar a polícia a encontrar foragidos, autoridades a localizar crianças perdidas, salvar vítimas de sequestro, entre muitas outras aplicações.

No entanto, o temor é que essas tecnologias possam ser usadas também com efeitos nocivos, por grupos mal intencionados para tirar algum tipo de vantagem, ou mesmo para crimes mais graves, como atentados. Também há a preocupação com o controle excessivo por parte do próprio estado em países que não têm sistemas democráticos suficientemente desenvolvidos, como forma de controle político da população. Recentemente a China, que tem alguns dos projetos mais avançados nessa área, como o da startup MegVii, anunciou que pretende começar em breve a cobrar a tarifa do metrôpor um sistema de reconhecimento facial – como todos sabem, aquele país, embora admirável sob vários aspectos do seu desenvolvimento tecnológico e potencial econômico, não é exatamente conhecido por sua democracia interna, e a coleta de dados precisos de um imenso número de pessoas poderia ser uma ferramenta de controle muito eficaz para um regime de partido único.

De qualquer forma, o desenvolvimento tecnológico acelerado que experimentamos em nosso tempo, e que – não resta a menor sombra de dúvida – contribui para aumentar a qualidade de vida, melhorar as relações interpressoais e as condições de realização e de sucesso, precisa também, a cada novo passo, ser avaliado e discutido por sociedades que mantenham e aprofundem os seus mecanismos democráticos. E justamente este é o caso dos Estados Unidos, país no qual a oposição se mostra atenta, mesmo que seja para verificar em algum momento, como de fato parece, que o FaceApp é apenas uma brincadeira sem maiores consequências.

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