TEMPO E TEMPORALIDADE NA ARQUEOLOGIA
Claro que falar do tempo e da temporalidade em relação aos trabalhos arqueológicos e no que isso afeta tais estudos é trazer à tona a civilização dos fenícios que teve sua evolução em um tempo significativamente longo, deixando para trás qualquer relação cronológica como idade do bronze e idade do ferro por exemplo.
Outro exemplo que posso citar ocorreu em uma expedição à Bonito-MS, quando encontramos uma trilha de cacos de cerâmica, que em uma linha reta, atravessava a mata e seguia pela colina até desaparecer próximo a um riacho. Interessante notar que a trilha partia de um local, como o próprio Dr. Desidério Aytai descreveu, onde parecia ter havido uma guerra de potes.
Mas o interessante era a quantidade de cacos e dos mais variados tipos: lisos, corrugados, ungulados, pintados e trabalhados com desenhos marcados a cordel. Como pudemos notar, o tempo de queima não era o mesmo em todos os tipos e nem tampouco o desengordurante usado.
A dúvida, apesar de grande parte dessa cerâmica ser atribuída aos Tupis, pelo Dr. Desidério, era se todas, realmente, pertenciam ao mesmo povo ou se parte dela era resultado de miscigenação de tribos, troca comercial ou mesmo o resultado de um festim.
Coletamos na ocasião mais de 2 mil cacos que catalogados e divididos em tabelas, por tipos, foram enviados ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, por orientação da Dra. Maria da Conceição Beltrão. Material esse que provavelmente se perdeu quando do incêndio do Museu em 2021.
Claro que a pergunta permanece: indica a miscigenação de tribos ou a evolução da indústria cerâmica de apenas um povo, no caso os Tupis?
Como nunca foi feita qualquer datação pelo Museu, difícil determinar a idade.
Muitos sítios espalhados pelo país intrigam os pesquisadores, onde em uma mesma camada estratigráfica estão depositados, ao mesmo tempo, materiais cerâmicos de sociedades diferentes e de fases totalmente distante.
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Situações desta natureza são mesmo intrigantes. Muitas coisas podem remover e/ou juntar peças de épocas diferentes em uma mesma camada estratigráfica. Seria preciso levantamentos de várias formas: geográficos, climáticos em tempos passados, influências de outros povos que tenham passado por ali e que possam ter revolvido a terra por vários motivos, independentemente dos fabricantes daqueles cacos e outras tantas hipóteses poderiam ser levantadas para que uma boa pesquisa fosse sequenciada. Sem dúvida é um trabalho interessante.
Como escreveu Walderi Rodrigues, “É um trabalho para uma vida”. Ou como escreveu Mário Henrique Kohn Pelicer, “Situações intrigantes nos levam a querer pesquisar. É necessário o investimento nas pesquisas desta área, para assim conhecermos melhor as interações do passado de nosso país”.
Aliás, é bom esclarecer, investimentos não só na arqueologia, mas na Educação como um todo. Tive uma diretora certa vez, Profª Marisa Paixão (UNIP), que dizia que tínhamos mesmo que fazer por amor.
A ânsia pela descoberta e pela pesquisa é que fazem com que passemos por inúmeras adversidades.
O Prof. Gilson Rambelli, especialista e arqueologia subaquática, dizia que eu era um aventureiro e que nunca seria um arqueólogo. Mas, afinal, a vida já não é uma grande aventura?
Como completou uma de minhas queridas mestras, Milena Acha Brandi: “O modo como as coisas chegam a nós muitas vezes não respondem a uma estratigrafia perfeita, mas a um palimpsesto confuso das várias ocupações humanas sobre um lugar. A região de Bonito é um exemplo interessante da confluência de grupos Jê (e provavelmente muitos outros de outros troncos linguísticos) que passaram por grandes mudanças com a expansão Tupi da região do rio Madeira e depois com a colonização e expansões modernas.
Refletir sobre o tempo e os tempos relativos de cada grupo é um exercício incrível de aceitar que existem muitas formas de se contar uma história e a arqueologia consegue contribuir com algumas”.
(Omar Carline Bueno)