Tempos bicudos nas finanças pessoais: hora de colocar as mãos na massa

Não são leis, decretos ou qualquer tipo de medida legal – como a anunciada nesta quinta (26/1) pelo Comitê Monetário Nacional (CMN) que estabeleceu restrições para o uso do crédito rotativo do cartão de crédito – que vão ajudar a colocar as contas do brasileiro em dia. Muito pelo contrário, vai ser preciso mãos à obra para reverter a situação das finanças pessoais. 

A situação não é das melhores. No ano passado, segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC), 32,5% das famílias estavam com contas em atraso ou não tinham condições de saldá-las. É quase uma em cada três. É o pior indicador desde 2011. 30,6% da renda do brasileiro está comprometida com dívidas em um horizonte de 7,1 meses. E 35,2% das famílias acreditam estar muito endividadas ou mais ou menos endividadas.

Nesta quinta, o CMN limitou a um mês o uso do rotativo do cartão. A linha de crédito é uma das que tem as taxas de juro mais caras: 15,85% ao mês, segundo o Banco Central (BC). Isso significa dizer que a dívida dobra de tamanho a cada 141 dias. 

Passado o período de um mês, o devedor deve quitar a dívida ou então parcelar a dívida por meio de uma modalidade parcelada de crédito. A intenção é reduzir o risco e, por conseguinte, a taxa de juro.

A medida até pode ser interessante: pode dar um alívio aos endividados a partir de abril. Mas estes não esperem linhas de crédito baratas ou muita oferta alternativa de crédito. O mercado está mais retraído, a concorrência menor e a inadimplência – um dos fatores determinantes dos juros - está elevada. Entre as pessoas físicas, ela cresceu 16,7% no ano passado, segundo a Serasa Experian. Inadimplência alta significa riscos mais elevados que se traduzem em custo maior do dinheiro.

O alívio dado pelo CMN vai servir como paliativo e deverá ter pouco impacto no médio e longo prazo. É necessário trabalhar uma questão mais profunda, que depende muito das famílias e das escolas. Um problema cultural ainda persiste: a forma como o brasileiro se relaciona com o dinheiro. Passados 23 anos da estabilização da economia, ainda prevalecem os resquícios de uma época que era necessário gastar quase que imediatamente o dinheiro para que este não perdesse o valor.

Falta educação financeira. Mede-se o valor da prestação pelo peso no orçamento doméstico, sem se avaliar o custo real do bem ou do serviço. A cultura do pensar no futuro é pouco difundida no Brasil. A taxa de poupança, em 2014, correspondia a 15,8% do PIB, segundo o Banco Mundial. É o menor indicador desde 2009. Perdemos para vizinhos como a Argentina, a Colômbia, a Bolívia e o Uruguai.

Vai ser preciso tempo para mudar este cenário de analfabetismo financeiro. E é necessário que a  mudança comece dentro de casa, no orçamento doméstico, e passe . Não dá para ficar contando com medidas governamentais de estímulo, até porque o cobertor é curto. 

Os tempos bicudos na economia vão continuar por, na melhor das hipóteses, mais 12 meses. Para este ano, a expectativa é de um crescimento de 0,5%, segundo instituições financeiras ouvidas pelo Banco Central, o que torna muito difícil a reação do mercado de trabalho. Ganhos reais no salário: não é bom nem contar. Assim, vai ser preciso fazer uma engenharia doméstica para colocar as contas em dia.


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