Teologia Social de João Crisóstomo
Ao que tudo indica, os sermões de João Crisóstomo tem reverberações práticas e sociais, foi um revolucionário no quesito das funções sociais da propriedade e do trabalho. Poucos conseguiam dar exemplos lúdicos oriundos da natureza e da vida comum, certamente inspirado pelo Mestre Jesus, conseguiu tornar visíveis suas narrativas e explicações. Sobre as características da preguiça esboça:
“Água que não corre apodrece. Água que corre, que passa pelas barrancas mais estreitas, guarda suas qualidades. Assim, o preguiçoso. Quando os outros vão trabalhar o malandro enche a barriga. Quando os outros voltam, ele rola como um porco gordo nas almofadas” (sermão 35 sobre Atos dos Apóstolos in MEULEMBERG, 1994, p. 46). (grifo nosso)
Ele falava com propriedade sobre a preguiça, que ela assassinava o corpo e a alma do cristão, também criticava severamente os ricos, chegou a afirmar que uma cidade repleta de ricos não subsistiria, pois não teria quem a abastecesse, portanto valorizava o proletariado e a mão de obra das classes sociais mais baixas, em uma de suas homílias afirma:
“No início, Deus não criou a um rico e a outro pobre. E não fez com que uns descobrissem tesouros, ao passo que escondeu estes para outros. Deus deu a todos a mesma terra para ser cultivada” (sermão sobre 1 Timóteo 4 in MEULEMBERG, 1994, p. 47). (grifo nosso)
A narrativa de que a terra pertencia a todos, tinha mais um contexto de abnegação pessoal do que propriamente político-partidário, não se pode fazer um anacronismo e afirmar que João Crisostomo abraçava a filosofia marxista ou de esquerda. O seu objetivo era evidenciar o mesmo que se encontra no livro de Salmos: “De Deus é a Terra e Sua Plenitude”, ou “Não junteis tesouros na terra onde a traça e a ferrugem corroem”, ou seja, transmitia a consciência de que tudo pertencia em primeira instância e absolutamente ao Criador dos Céus e da Terra, aliada a percepção de que o acumulo de bens não traria benefício espiritual, é perfeitamente entendível o intento de suas mensagens carregadas de verdades espiritualmente sociais. No futuro, os pensamentos do referido pregador se consolidaram também em doutrina jurídica, a função social da propriedade consagrada na Constituição Federal em seu artigo 5° que trata de garantias fundamentais e direitos humanos é uma importante diretriz mundial. Basicamente se afirma que a propriedade não pode ficar “parada” ou a “mercê do acaso”, antes, deve cumprir um dever social, precisa produzir ou ser de alguma forma útil para outros. É deveras interessante, quando a teologia quebra as barreiras do seio religioso para atingir também outras matérias, como o direito, de forma a se revelar imprescindível para a vida comum dos cidadãos.
Os pobres também estavam sempre a vista de Crisóstomo, apesar do luxo ostentado pelo império Romano, ele sempre confrontava seus ouvintes:
Aquele que disse “Isto é o meu Corpo” confirmando o fato com a sua Palavra, também afirmou: “viste-me com fome e não me destes de comer”; e ainda: “quantas vezes o recusastes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o recusastes” (Mt 25,45). No templo o Corpo de Cristo não precisa de mantos, mas de vidas puras; mas na pessoa do pobre, ele precisa de todo o nosso cuidado (CRISÓSTOMO, Homilias sobre Mateus 50, 3-4). (grifo nosso)
De forma representativa, percebia Cristo na pessoa dos pobres e incentivava sua audiência a fazer o mesmo. Poderia se dizer que era um homem a frente do seu tempo, pois suas pregações não carregavam o dualismo tão presente na Idade das Trevas. É uma espiritualidade acessivelmente prática, carregada de habilidosa teologia, sinceridade e atitudes objetivas. Um verdadeiro exemplo para os pastores modernos, que infelizmente, dissociam a teologia reformada da reforma da vida. No que diz respeito a essa espiritualidade, pontua-se mais uma consideração do pregador:
“Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm de vestir, nem o honres aqui no templo com vestes de seda, enquanto lá fora o abandonas ao frio e à nudez” (CRISÓSTOMO, Homilias sobre Mateus 50, 3-4)
Crisóstomo também criticava a hipocrisia social, é importante lembrar que os fariseus eram patronos dessa atitude reprovável, eles amavam o templo, mas desprezavam as pessoas, ofertavam nas sinagogas, porém não faziam bem ao pobre ou justiça a viúva. Em consonância com Jesus Cristo, suas pregações resgatavam a verdadeira religião, ou seja, “Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações Tiago 1:27” (grifo nosso). Em uma geração ensimesmada, individualista e deveras particular, os sermões dele nunca fizeram tanto sentido, é necessário resgatar as verdades do desapego, abnegação, trabalho e amor ao próximo para sermos verdadeiramente reconhecidos como discípulos do Mestre Jesus.