A Teoria da Cauda Longa no Direito Administrativo e os enunciados do CJF

A Teoria da Cauda Longa no Direito Administrativo e os enunciados do CJF

Tornou-se lugar comum falar do excesso de informações pelo qual somos todos bombardeados atualmente. Em poucos minutos, as mensagens se multiplicam, os e-mails se multiplicam, as notícias se multiplicam. Com o Direito Administrativo não é diferente. Sem escapar desse ‘efeito gremlin’, seus textos e normas também se multiplicam e acumulam.

Em matéria de informação, o período que vivemos é explicado pela Teoria da Cauda Longa[1]. Partindo de um contexto no qual a informação era de difícil acesso, escassa e, por conta disso, limitadamente massificada (havia muitos exemplares de pouco conteúdo, como as enciclopédias), migramos para uma sociedade na qual a informação se tornou muita e amplamente acessível, sendo consumida em nichos (como em qualquer livraria virtual, com livros multitemáticos, ainda que com apenas 1 exemplar em estoque).

O problema que enfrentamos, portanto, não é mais de acesso à informação, mas de filtragem e seleção; de curadoria da informação. Como escolher os canais que irão me ajudar a escolher as informações que quero receber e assimilar? E é aqui que começa o paralelo que me cabe fazer quanto ao papel dos enunciados no Direito Administrativo.

O Direito Administrativo se modifica, basicamente, por três formas: elaboração de novas sistematizações pelos Cursos, edição de normativos e pela jurisprudência[2].

Inviabilizados pelo mesmo excesso de informações e variedades que a realidade exprime, os novos Cursos são cada vez menos capazes de romper com sistematizações enraizadas nos velhos Cursos, e assim insuficientes, posto que incompatíveis com a atualidade. Os novos normativos, por outro lado, vão largamente assumindo a fronteira desse espaço de mudança, proliferando-se e trazendo a angustiante sensação de constante desatualização que acompanha os praticantes da área. E a jurisprudência? Entre o excesso de normas e a insuficiência dos Cursos, a jurisprudência está órfã. Desamparada de conhecimento especializado para enfrentar os novos temas que a profusão de normas propicia, na justa medida da insuficiência dos Cursos e dos mantras de Direito Administrativo que, além de tudo, é matéria não codificada e altamente fragmentada.

O excesso de informações associado ao déficit de instrumentos para equacioná-las produz um arranjo de coisas que oportuniza um relevante papel de curadoria à I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal (CJF). A produção de enunciados pela instituição, contando com ampla participação da comunidade jurídica, judiciária e acadêmica, talvez mais do que em outros ramos, pode contribuir decisivamente na construção de interpretações que auxiliem a enfrentar novos temas e a consolidar antigos.

 Advindos do CJF, órgão que não ostenta hierarquia decisória em relação aos magistrados[3], os enunciados podem então desempenhar uma função para-jurisdicional de colaborar com a formação da convicção dos magistrados na prestação jurisdicional, especialmente ao veicularem interpretações prospectivas sobre novos normativos.

A I jornada de Direito Administrativo é, portanto, boa oportunidade para aqueles que lidam com o Direito Administrativo se mobilizarem e contribuírem com propostas[4]. Dela podem sair alguns bons passos na direção da tão propalada segurança jurídica.

× Mestre em Direito Público pela UERJ. Professor do LL.M em Direito da Infraestrutura na FGV Direito Rio. Advogado.

× Esse artigo é fruto do debate havido na ótima companhia dos professores Rafael Wallbach Schwind, Bernardo Strobel Guimarães, José Vicente Santos de Mendonça, Rafael Véras de Freitas e da magistrada federal Carmen Silvia Lima de Arruda, em reunião aberta preparatória à I Jornada de Direito Administrativo do CJF. Agradeço, ainda, aos professores Bernardo Strobel e Vera Monteiro pelo convite para integrar a Comissão presidida pelo Ministro Mauro Campbell (STJ), que tem por tema cuidar dos tópicos: Regulação. Agências reguladoras. Serviço público e atividade econômica. Intervenção do Estado no domínio econômico. Autorização.

[1] ANDERSON, Chris. A cauda longa. São Paulo: Campus, 2006.

[2] A síntese se aproxima da ideia exposta por José Vicente Santos de Mendonça sobre o mesmo ponto, em palestra de encerramento ao I Colóquio de Novos Juristas no Direito Administrativo no Estado do Rio de Janeiro, promovido pelo IDAERJ, em 2019. 

[3] Composição e competência do CJF são tratadas pela Lei nº 11.798/2008.

[4] A página da Jornada, inclusive com link para a apresentação de propostas de enunciado, que é aberta a todos os interessados, encontra-se em: https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/eventos/jornadas/i-jornada-de-direito-administrativo-propostas




Jose Carlos Buzanello

Professor Titular em Direito Administrativo da UNIRIO

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Parabéns parabéns pelo artigo, e convido-o a participar do Instituto de direito administrativo do RJ. 

Flavio Amaral Garcia

Sócio do Escritório Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown

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Leo, excelente abordagem!! Parabéns!!!

Ricardo Delgado Preti

Spcialist in contract analysis, data protection and public contracts

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Como bem relara Yascha Mounk, em sua obra "O povo contra a democracia", vivemos numa era da informação de "muitos para muitos", o que impacta na necessidade de higienizar a gama de informações cotidianas. Embora o objetivo do livro seja outro, é possível aplicarmos nas mais diversas áreas, setores, etc. Parabéns pelo artigo!!

Alex Vasconcellos Prisco

Sócio de Prisco, Ottoni e Del Barrio Advogados

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Parabéns pelo texto. Uma pergunta: dentro da trilogia "cursos-normativos-jurisprudência", onde se encaixariam os enunciados? Em cursos (doutrina)? Ou seria um híbrido de cursos e jurisprudência?

Talita Pinheiro

+10y Healthcare IT / / Health AI / Health Innovation / Digital Health / Medical Devices / Imaging Diagnosis / HealthTech

4 a

Excelente artigo! Parabéns Leonardo Coelho 👏👏

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