Thumb Chaos

Thumb Chaos

“Thumb chaos” - por Ricardo Almeida

Os acadêmicos autores da teoria do “Parentêses de Gutemberg” (Sauerberg) e dos efeitos do seu "fechamento" (Thomas Pettitt), afirmaram que a era digital destruiria o “livro” como a fonte categórica do saber na sociedade contemporânea.

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Eles acertaram na emergência da internet e das redes sociais como instrumentos dominantes da comunicação e da informação. Mas erraram ao dizer que estaríamos retornando à oralidade, conquistando uma maior democratização do conhecimento.

A sociedade pós-moderna está cada vez mais “falando com a ponta dos dedos”, mas, ao mesmo tempo, vem perdendo a capacidade de conversar. E não se trata da viralização de um tipo de timidez, mas da incapacidade crescente de se reunir, de olhar no olho ou mesmo de falar ao telefone. Isso é mais evidente entre os mais jovens.

Os problemas são ainda maiores quando a sociedade delega ao Google e à inteligência artificial a função de repositórios da memória individual e coletiva, sem, ao menos, recuperar o cancioneiro, o contador de histórias, o recitador de cor de poemas, leis e regras sociais, que garantiram por séculos a transmissão oral das tradições . 

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O ancião e a biblioteca, os dois grandes pilares da sabedoria e do conhecimento sobre os quais foi construída a civilização humana, estão abandonados, relegados ao desprezo, tratados como velhos ou ultrapassados.

A internet tornou o conhecimento ampla e falsamente acessível, deixando-o disperso e submerso em camadas virtuais de imagens e vídeos, que distraem e dificultam a identificação e o alcance qualificado de fontes legítimas. O resultado é a busca “surf-perficial” por informação nos canais de navegação digital, provocando um emburrecimento significativo das pessoas, inclusive das gerações mais velhas, abrindo espaço para manipulações sublógicas, como o ressurgimento de “teorias” como a da “Terra plana”.

Mas a destruição não atinge apenas os pilares da sociedade e as conquistas que nos humanizaram, como a conversa, a reunião pessoal (substituída por avatares), a leitura, o “delay”, o ócio, a abstração, a memória, o “a-ha moment”, o dharma, a transcendência e tantas outras virtudes. 

E não se trata apenas de uma questão de longevidade, que comprovadamente depende da “amizade olho-no-olho”, como revelam os estudos sobre pessoas centenárias, realizados pela canadense Susan Pinker. A devastação em curso atinge a própria existência física dos indivíduos.

A teclagem incessante e veloz com as pontas dos dedos provoca impulsos elétricos de ansiedade e depressão, com toques sobre uma superfície lisa e inespecífica, sem relevo ou textura.  

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O estudo dos mudhras, definidos pela sabedoria milenar do yoga como “as posições dos dedos e das mãos que podem condicionar o corpo físico, emocional e energético”, já seria suficiente para demonstrar que a digitação, especialmente com os polegares (que representam o elemento fogo/agni), produz uma agitação agressiva e um avassalamento da mente e das emoções. Uma mecânica que remete ao enrolar incessante de um novelo de lã, embolando e derretendo percepções e sentimentos. O impacto sobre a psique derrete a confiança e as capacidades do indivíduo.

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Essa prática diária é agravada pelo ambiente das redes sociais, onde a moeda franca de troca comunicativa ou de reconhecimento vem em forma de likes, representados pelos polegares para cima e para baixo (“thumbs up” e “thumbs down”), provocando ansiedade em diferentes níveis. As consequências são tão graves e viciantes que o YouTube parou de contabilizar os dislikes.

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Os casos de suicídio e de automutilação em jovens atingem números espantosos, transcendem países, classes sociais e econômicas, não havendo nenhum outro fator concorrente para explicar tantos distúrbios, comparáveis à dominância da “polegarização da fala” e da comunicação imediatista das redes digitais.

Mas ainda há esperança para a superação desses instrumentos nocivos, controlando sua presença na vida diária e coletiva.

Recuperar a leitura, o contato com natureza, a conversa, o olho-no-olho, a contemplação, a espiritualidade, a arte, a transcendência e tantas outras subjetividades de dimensão individual e coletiva, pode inspirar atitudes antagonistas ou mitigadoras, permitindo uma desintoxicação que preserve as principais conquistas históricas que ainda nos fazem humanos.

Diante de todo essa nova realidade da Era Digital e da ameaça do efetivo fechamento da "Era do Livro", parece cada vez mais imperativo buscar meios de defender a espécie contra o avanço da servidão difusa imposta pela "Era Digital", especialmente de práticas deletérias, como a "polegarização da oralidade" e dos tentáculos invisíveis que as “inteligências artificiais" lançam sobre todos nós

Ricardo Almeida é Professor de Direito, Procurador do Município do Rio de Janeiro, Advogado e fundador do MUNICIPOLIS INSTITUTO.

Elizabeth Carneiro

Aposentado na Câmara dos Deputados

7 m

É maravilhoso se deparar com um artigo como este nos dias atuais, ainda mais vindo de um advogado e tributarista. Uma visão holística e fundamentada na medicina milenar indiana e no yoga. Isto me faz crer que esta geração não está perdida e que podemos resgatar a oralidade, a comunicação, a amizade, o olho no olho, a contemplação à lua cheia, a roda de conversa a beira de uma fogueira.

Mary Crockford

Educator 📚✏️ Medical-Legal Proofreader/Editor ⚖️💼 Author/Illustrator/Publisher 🖊️📖 Postgraduate Scholar, Early American History & Literature

1 a

Excellent article Ricardo Almeida Ribeiro da Silva. We need a rested mind and senses to enjoy sustained engagement with nature and people. We must consciously and regularly "unplug" to be present and know a spiritual state of peace. I'm always inspired and encouraged when others discuss this issue and how it affects us as thinking, feeling humans in an increasingly busy world. Thank you. 🙏

Ana Claudia Rebello

Diretora Jurídica Distribuição Brasil na Enel Group, Membro do Conselho de Administração, Mentora de Carreira, Escritora.

2 a

Muito bom Ricardo. Nada como um bom livro, deitado numa rede, uma caminhada por uma praia, um banho de cachoeira, um bate papo noite a dentro com amigos queridos, umas boas gargalhadas, uma sessão de meditação, um abraço.

Vanessa Cerqueira Reis

Partner Medina Osório Advogados, IIEDE Institutional Director, CBMA Arbitrator, Attorney of the State of Rio de Janeiro, Doctoral Student in Financial and Global Economic Law, Master in Public Administration Law

2 a

Excelente l

Palavras muito bem colocadas! Parabéns!

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