Tornar-se negra
por Débora Ferraz

Tornar-se negra

Hoje me reconheço como uma mulher negra, mas isso não foi sempre assim.

Nasci em São Paulo, em uma região periférica, filha de uma mãe branca, do lar, e de um pai negro, eletricista. A questão racial nunca foi um tema sobre o qual falamos, nem na minha infância, nem na adolescência.

Nos lugares que eu mais frequentava, igreja e escola pública, eu era "mais uma". Eu sempre me senti acolhida e pertencente a esses espaços, afinal, eles eram repletos de pessoas como eu.

Sempre fui uma pessoa inquieta, ávida por aprender e reconheço que sou uma virginiana raiz (kkk)! Tudo está devidamente organizado em alguma planilha, inclusive meu plano de estudos. Quando iniciei meu curso técnico em Processamento de Dados, um dos planos era fazer estágio em uma empresa de "informática".

Aos 17 anos participei de um processo seletivo em uma grande multinacional. Quando cheguei na sala de espera e comecei a conversar com os demais candidatos, levei um choque. Logo pensei: "De onde saíram essas pessoas?". Alunos de escolas de "primeira linha", com inglês avançado ou fluente, muitos com experiências internacionais e com pais que trabalhavam no mundo corporativo.

Fui correndo para o banheiro. Respirei bem fundo e logo pensei: "O que estou fazendo aqui?".

Depois de alguns minutos decidi ir até o fim, mas com a consciência de que as chances de sucesso eram quase inexistentes.

Na hora da entrevista fui muito honesta:

- Tem computador em casa? "Não".

- Fala inglês? "Não".

- Tem alguma experiência com TI? "Não".

- O que você veio fazer aqui? "Aprender!!!"

E fui logo contando meus planos de aprendizado e desenvolvimento.

No final, o entrevistador concluiu com uma frase que só muito depois eu consegui entender:

"O que você não tem, nós podemos te ensinar. Mas o que você tem, é difícil de encontrar."

E foi assim que iniciei minha carreira no mundo corporativo aos 18 anos de idade.

Me deparei com um espaço onde a "diferente" era eu. Meu cabelo, minha história de vida, minhas experiências ou a inexistência delas eram muito diferentes da maioria. Por muitas vezes eu não sabia ao certo qual tipo de roupa vestir, negava ir em alguns almoços com os colegas e inventava várias desculpas para isso, mas na verdade é que eu não tinha dinheiro para pagar a conta e, mesmo que tivesse, eu tinha medo de não ter assunto. Vou falar o que com essas pessoas?

Um dia me convidaram para fazer parte da rede de afinidade de Pessoas Negras e eu me perguntei: Por que?

A pessoa logo respondeu: Porque você é uma pessoa negra!

"Bummm"! Levei outro choque.

Comecei a estudar sobre o tema, a conversar com pessoas já letradas e tudo começou a fazer sentido pra mim. Quando me dei conta e me reconheci como mulher negra, eu já tinha 21 anos de idade.

Foi um longo processo e acho que ele ainda não acabou. Já tive medo e vergonha de ser eu, tive raiva também por ver que meu povo sofreu e ainda sofre muito, e de ver que nossas vozes ainda são silenciadas.

Hoje tenho muito orgulho de ser negra. Acho meu cabelo lindo e quanto mais armado, melhor (kkk)!! Uso minhas roupas, meus colares e meus turbantes e isso é libertador. Um grito da alma que ecoa desde os meus ancestrais.

Busco transmitir esse orgulho e essa consciência para as pessoas que me cercam, em especial para as minhas filhas, que mesmo pequenas, já se reconhecem como meninas negras e reivindicam seus espaços.

Essa história não é só sobre mim, é sobre nós e sobre como é poderoso saber e aceitar quem você é, e ser livre para ser você mesmo.


Cássia Ascêncio

Advogada | Trabalhista Bancária | Empresarial

5 m

Sua linda ! Amiga incrivel! Negra ou não negra sempre será a minha melhor amiga !!! Maravilhosa !!! Amo você amiga ! 😘 😘

Indiara Kurtz Danelli Manfre

Mãe da Bárbara e Rebeca / Diretor Gente BRF/ Conselheira BRF Previdência/ Mentora Elas na Indústria

5 m

Texto incrível é só quem trabalhou contigo sabe vc ainda é mais incrível, maravilhosa que é difícil reproduzir num texto!!! Te adoro!!!

Uma mulher Inspiradora 🫶

Debora, Parabéns pela linda trajetória!

Lindo texto, Débora! Obrigada por compartilhar suas reflexões. Sua coragem e determinação são exemplos para todos nós!

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