A transformação da perda
No final da tarde, eu caminhava por uma rua do centro de São Paulo, quando não muito distante, à minha frente, do lado oposto da calçada, um alegre vira-latas bebê, muito bonitinho (parecia um pequeno lobo bem felpudo), foi atingido por um carro esportivo preto, que dobrava a esquina. Tudo foi muito rápido e desconcertante _ e seguindo a cartilha bem brasileira de ser motorista, o carro sequer parou, apesar dos gritos.
Seu dono, um jovem morador de rua, até tentou impedir o carro de atingi-lo, mas não conseguiu. Ele se jogou no meio da avenida, na faixa de pedestres, entre os carros, e gesticulando com vigor, gritava para o cachorrinho não atravessar: “Para!”, “Para!” “Não vem!”. Seu esforço não o deteve.
O cachorrinho deve ter imaginado que estava sendo chamado para brincar. Ele vinha saltitante pela calçada. Pulava, balançava o rabo, dava voltas em si até chegar à esquina e se deparar com a roda do carro. No encontro, foi jogado para trás. Cambaleou. Quem passava pelo local, se agitou. Eu fiquei desconcertado. Ninguém soube ao certo o que fazer e a sensação de impotência não foi boa.
O que se faz quando um animal é atropelado e não há sequer uma clínica veterinária pelas redondezas? Qual instituição pública deve ser chamada? Os bombeiros? Leva pra onde? Se o atendimento do SAMU já é precário pra gente, imagina para os animais? Ainda por cima de rua, sem raça definida.
Seu dono, acompanhado de um amigo e por outro cachorro (esse adulto), ficou inconsolável, como era de se esperar. Falava compulsivamente em um misto de dor, angústia e esperança. O cachorrinho não havia morrido. Ele não estava sangrando ou babando. Não tinha sinais aparentes de trauma, mas se contorcia no chão. Esticava as patinhas, tinhas alguns espasmos e, aparentemente, certa rigidez. Fechava e abria os olhinhos.
Ao vê-lo caído naquela situação, seu dono prontamente se agachou e o tomou pelos braços, abraçando-o fortemente. Tentou confortá-lo o quanto pôde. Beijou seu focinho. O cachorrinho reagiu bem. Olhava para ele. Sem pedir ajuda, ignorando quem o olhava, deu meia volta e seguiu pela rua na direção oposta à minha. Se foi em meio a uma conversa infinita com o cachorrinho.
Eu não sei o que aconteceu depois. Espero que ele tenha sobrevivido. Acho improvável, mas espero. O cachorrinho recebia muito cuidado e carinho. Ele estava limpo, tinha o aspecto saudável e portava uma vistosa coleira vermelha. Claramente, havia quem se importasse com ele.
De certa forma, meu dia ficou inquieto depois de ter presenciado essa cena tão frequente em lugares apressados como o centro de São Paulo. Me peguei fisgado pela transformação da perda.