Transformação Digital. O ultimo grande desafio
Credit: Smart Armor

Transformação Digital. O ultimo grande desafio

“Transformação Digital” é o mais recente termo numa panóplia de termos que consta no dicionário de todos os executivos a nível mundial. 

Podendo facilmente ser confundido com mais uma buzzword, na verdade, a Transformação Digital é hoje a grande prioridade das empresas (como revela um recente estudo da PWC, onde 86% dos executivos entrevistados mencionou que esta seria a sua primeira prioridade para 2017).

A Transformação Digital irá modificar profundamente a realidade das empresas nos próximos 5 a 10 anos. Muitos não irão sobreviver, outros terão que se transformar por completo.

O objetivo deste post é endereçar 3 questões fundamentais relacionadas com a Transformação Digital:

  1. Mitos: Irei apresentar e desmistificar alguns mitos que servem de introdução;
  2. O que é: Irei explicar o que é a Transformação Digital;
  3. O que fazer: Irei explicar de forma sucinta como os governos, as empresas e cada um de nós se deve preparar para o futuro.

1. Mitos

“Transformação Digital é a próxima bolha dot-com. É um termo criado pelas consultoras para descrever a criação de um negócio baseado num website ou aplicação mobile.”

Esta é uma frase que tenho ouvido bastante, até de executivos de algumas empresas importantes. Como este post não tem como objectivo explicar o que foi a bolha dotcom ocorrida no ano 2000, os interessados poderão revisitar a literatura aqui).

Tratando-se efectivamente de um termo emergente (pelo menos em Portugal), a verdade é que vivemos uma era única na história da humanidade. A rápida diminuição dos custos da tecnologia, combinada com o efeito da democratização de novas e emergentes tecnologias (internet, redes sociais e outras aplicações de colaboração e comunicação, cloud e outras tecnologias baseadas em plataformas, soluções de mobilidade e georreferenciação, e mais recentemente a robótica e a automação avançada, a inteligência artificial e a aprendizagem automática, a realidade virtual e a impressão 3D, o big data e analytics e a Internet das coisas e os sensores inteligentes) criaram um ambiente perfeito para o caos socioeconómico, impactando profundamente o nosso modo de vida actual e com efeitos imprevisíveis num futuro próximo.

Por outro lado, classificar a Transformação Digital como a criação de website ou de uma aplicação mobile, é ter uma visão muito limitada sobre a realidade tecnológica actual e do potencial efeito da integração destas tecnologias nos modelos de negócio das empresas e cadeias de valor da economia.

Alguns dos efeitos gerados pela integração das tecnologias já referidas são: 1) profunda alteração nas dinâmicas do mercado quer a nível da procura, quer a nível da oferta; 2) desaparecimento massivo de Indústrias, empresas e profissões e 3) o surgimento, a uma velocidade estonteante e com proveniência das fontes mais improváveis, de novos modelos de negócio que deixam empresas e instituições sem tempo de reacção para responder ou actuar sobre os mercados.

Alguns factos que comprovam a minha análise:

  1. Se observarmos a lista de empresas que constava na Fortune 500 no ano 2000 e as que constam nessa mesma lista no ano de 2016, verificamos que cerca de 50% dessas empresas desapareceu (essencialmente porque não tiveram a capacidade de se transformar digitalmente, ou porque foram surpreendidas pela velocidade, agilidade e criatividade de emergentes modelos de negócio). Todos nós conhecemos os casos mais óbvios como a Kodac a Nokia e a Alcatel por exemplo, mas se observarmos mais atentamente iremos descobrir inúmeros casos de gigantes mundiais que estavam ligados a alguns sectores (sim sectores!), que foram completamente dizimados pela primeira vaga da transformação digital (música, vídeo e publicações em papel).
  2. Num recente estudo do Global Center for Business Transformation questionou-se aos executivos quantas empresas do top 10 do seu sector de actividade iriam perder o seu lugar nesse mesmo top 10 nos próximos 5 anos, devido à disrupção digital. Os resultados por sector foram os seguintes:

3. Nesse mesmo estudo, foi perguntado aos executivos, qual o risco das empresas do sector desaparecerem por completo. O sentimento médio por sector quanto a essa probabilidade foi o seguinte:

4. Outro estudo que me parece relevante mencionar, é a recente publicação da OCDE “Structural Transformation in the OECD: Digitalisation, Deindustrialisation and the Future of Work onde os autores indicam que, com aumento do potencial da automação, funções desempenhadas por motoristas, analistas, operadores de máquinas, matemáticos, contabilistas, entre outros têm uma probabilidade superior a 98,5% de virem a ser desempenhadas por robots ou computadores num futuro próximo.

Em conclusão, os fatos apresentados revelam que a transformação digital é um tema que tem a ver com a sobrevivência das empresas, a alteração das dinâmicas do mercado e dos factores de produção e porque não, de todo o modelo económico actual. 

“A transformação Digital é um problema apenas para as empresas do sector das tecnologias, ou dos sectores facilmente digitalizáveis. Nós estamos a salvo.”

Sobre este mito começo por referenciar um líder de uma multinacional de referência que proferiu recentemente a seguinte frase: “Tenho receio de acordar uma manhã e descobrir que sofri um Uber” (traduzido do inglês: “waking up one morning and having been 'ubered'”, tratando-se de uma analogia com o que se passou com os taxistas). Este executivo foi mais longe, dizendo que vivemos numa era onde "empresas de indústrias totalmente distintas da sua, podem aparecer e roubar o seu modelo de negócios da noite para o dia”.

Embora possa ser alegado que algumas indústrias são, por razões óbvias, mais vulneráveis à Transformação Digital, actualmente todas as indústrias e ramos de actividade estão a sofrer grandes perturbações a nível do seu modelo de negócio, infligidas por start-ups e empresas tecnológicas que tiram partido da combinação dos factores e tecnologias anteriormente expostos.

Alguns factos que comprovam a análise:

  1. Um fenómeno recente é o surgimento de novos modelos de negócios que combinam produtos físicos tradicionais com a tecnologia avançada. Um exemplo concreto são os carros autónomos (Tesla for exemplo). À primeira vista pode parecer que se trata apenas da fabricação de automóveis eléctricos, com elevadas funcionalidades digitais e que apenas os players da indústria automóvel se devem preocupar com este risco. Seria assim um risco relativamente controlável, bastando as marcas mais fortes lançarem produtos similares para manterem a sua posição no mercado. Contudo, se analisarmos com mais atenção, podemos verificar que este modelo de negócios coloca em risco não só os principais players da actual indústria automóvel, como também:
  • Taxistas e Transportadoras – Os carros autónomos não irão necessitar de condutor.
  • Seguradoras – Potencialmente estamos perante um cenário de 0 acidentes, logo este é um sector em risco.
  • Oficinas e Reparação Automóvel – Potencialmente estamos perante um cenário onde estas viaturas necessitarão apenas de actualizações de software.
  • Transportes públicos – Através de rotas optimizadas, é previsível um aumento exponencial no negócio das partilhas e boleias e ainda de serviços privados de transporte.
  • Saúde – Se existirem menos acidentes, será necessário menos cuidados de saúde, menos pontos físicos e menos profissionais. Na verdade, a minha opinião é que o sector da saúde, como modelo de negócios actual, é um dos que tem uma probabilidade muito elevada de ser completamente dizimado pela Transformação Digital nos próximos anos.
  •  Restauração – Se o seu carro puder ir buscar a sua refeição, onde ficará o negócio das entregas? Para não mencionar que os robots podem aprender a cozinhar e a servir à mesa…
  • Outros – Se continuarmos este exercício certamente percebemos que todos os sectores de actividade são afectados directa ou indirectamente.

O Global Center for Business Transformation desenvolveu recentemente uma metodologia (a que chama Digital Vortex) que analisa o grau de disrupção digital por sectores de actividade. 

No centro do furação estão os sectores mais afetados atualmente e do lado de fora estão os menos afetados. No entanto, alerta-se que um furacão é imprevisível, mudando rapidamente de direção (o que quer dizer que o que hoje é verdade, amanhã poderá não o ser). A conclusão que se pode tirar daqui é que até setores menos óbvios como o Gás a Gasolina e os Utilities estão dentro do furacão.

Por fim, por toda a Europa têm sido lançadas iniciativas governamentais e sectoriais, com o intuito de preparar as empresas para o futuro. Em Portugal, por exemplo, o ministério da economia publicou recentemente a Estratégia Nacional para a Digitalização da Economia que servirá como um documento estratégico para a Economia e também como uma plataforma nacional para articulação, divulgação, mobilização e aconselhamento com vista a promover a cooperação, a coerência e a sinergia entre as empresas.

2. O que é a Transformação Digital

Para entendermos melhor o que é a transformação digital, irei utilizar três definições utilizadas pelo Global Center for Business Transformation:

Digital

Existem muitas definições para este termo mas, hoje em dia, digital significa a convergência de múltiplas tecnologias inovadoras catapultadas pela conectividade. Essas tecnologias são as que descrevi anteriormente na secção Mitos.

Disrupção Digital

A disrupção digital pode ser caracterizada como o efeito da utilização de tecnologias digitais, por parte de novos players de mercado, sobre os modelos de negócio de empresas bem estabelecidas e sobre as suas propostas de valor. Por exemplo, em 2009 o WhatsApp decidiu atacar o mercado das mensagens de texto, na altura avaliado em mais de 100 mil milhões de dólares. Através da tecnologia e de um modelo de negócios baseado em mensagens de texto grátis, o WhatsApp causou uma disrupção a todas as operadoras de telecomunicações, fazendo com que as suas propostas de valor deixassem de ser competitivas e obrigando-as a alterar o seu modelo de negócios.

Transformação Digital

A transformação Digital (numa perspectiva empresarial), pode ser caracterizada como as mudanças organizacionais resultantes do uso de tecnologias e novos modelos de negócio para melhorar a performance. Estas mudanças organizacionais incluem processos, pessoas e estratégia. Por exemplo, a multinacional americana Baker & Hostetler lançou recentemente o Ross, o seu primeiro advogado robot alimentado por inteligência artificial. Este advogado robot, desenvolvido sobre a plataforma computacional cognitiva da IBM, está preparado para ler, formular hipóteses, investigar e gerar respostas (com base em referências e citações), para suportar as suas conclusões e recomendações. Adicionalmente o Ross aprende com a experiência e com a interacção com os advogados e monitoriza constantemente novos casos, notificando os colegas humanos sobre decisões que tenham uma probabilidade elevada de afectar os casos que têm em mãos.

Este é um exemplo que ilustra bem o que é a Transformação Digital a nível de pessoas, processos e estratégia e do potencial disruptivo para toda a indústria ligada ao sector Legal público e privado (o World Economic Forum prevê que, só neste sector, 114.000 postos de trabalho sejam automatizados nos próximos 20 anos).

3. O que fazer nesta nova era de Transformação Digital

Esta nova era de Transformação Digital traz novos desafios às empresas no que concerne o seu modelo de negócios e o seu "modus operandis". Torna-se fulcral criar mecanismos que permitam 1) perceber de forma rápida e ágil os potenciais perigos resultantes de novas tecnologias e 2) detectar novos players que tiram partido dessas tecnologias para ganhar escala e afectar o modelo de negócios de empresas já estabelecidas. Paralelamente as empresas devem trabalhar numa perspectiva de alteração ou adaptação do seu modelo de negócios actual, tirando partido das novas tecnologias.

Por outro lado, do lado de quem governa, é essencial aumentar a literacia digital das pessoas, por forma a que se possam adaptar a uma nova realidade, onde o trabalho manual e muito do trabalho intelectual de menor valor acrescentado será substituído por máquinas, automação e sensores inteligentes.

Credit: Gerd Leonhard

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