A Trapaça

"Maldito aquele que fizer o cego errar o caminho”.

(Bíblia Sagrada/Deuteronômio: 27, 18)

Elaboração: Eng. João Ulysses Laudissi – 26/06/2021

Ao reler algumas anotações do meu tempo de estudante universitário, lá se vão bem mais de quatro décadas, encontrei a seguinte história:

“Um velho rato, que vivia no bosque, mandou o seu filho em busca de comida; recomendou-lhe, porém, que se guardasse do inimigo. O ratinho, na primeira curva do caminho, esbarrou, de repente, com um galo; voltou correndo ao pé da mãe, impregnado de susto, e descreveu o inimigo como um bicho soberbo, de crista arrogante e vermelha. O pai – o ratão - disse ao filho de que o bicho soberbo, de crista arrogante e vermelha não era inimigo e para que fosse outra vez buscar comida. Eis, agora, que o ratinho avistou um peru que o deixou com extremo pavor. Correu até sua mãe e disse: vi um demônio enorme e de olhar terrível e pronto para matar. A mãe, com toda sua candura materna, tranquilizou o seu filhinho e disse que o peru não era inimigo. Diante dessas experiências vividas pelo ratinho, seus pais resolveram esclarece-lo de que o inimigo anda silencioso, cabisbaixo como se humilde fosse, é macio, discreto, de aparência amável e deixa a impressão de ser inofensivo e até caridoso. Se você encontrar com ele, tenha muito cuidado. Fuja dele, pois, desse perigoso inimigo de aparência amável, que se finge solícito e prestativo, só espere a nossa ruína e perdição”.

Essa história era pauta de uma disciplina do meu curso de engenharia e usada para debater a importância das vidas das pessoas. Chamava atenção para que estas ficassem criativamente vigilantes e não se tornassem pessoas que receberam um cérebro por engano e, também, procurava mostrar que as interpretações dos fatos e decisões a serem tomadas sem sabedoria é fatal.

Outro viés dessa história levava à reflexão da importância das pessoas terem nos seus pensamentos e nos seus atos de que a moralidade em suas ações é que pode dar beleza e dignidade à vida.

A discussão prosseguia e entrava em estágio de grande ascensão quando a mira se voltava para o conhecimento convencional só porque todos consideravam óbvio. Concluía-se que se deveria procurar sempre uma nova saída para os problemas através de uma nova forma de fazer, mas preservando ao máximo a forma antiga, porque a forma antiga, por mais extemporânea que seja, guarda alguma sabedoria que faz pressentir o perigo de atos espúrios. E aí, o debate entrava no campo do que considerava ato espúrio.

E mais combustível era despejado na fogueira da discussão e se chegava a conclusão de que um ato espúrio é aquele que dá deliberadamente um mau conselho, que vende algo adulterado e nocivo, que engana aquele quem não sabe, que falsifica o peso dos produtos que negocia etc etc.... e finalizava com o entendimento de quem faz qualquer um destes atos deve ser considerado um praticante de trapaça, que pode se configurar desde um roubo mental ou um roubo material, mas que se caracterizar como um roubo mental deve ser punido mais do que o roubo material, uma vez que estaria amaldiçoando os surdos e pondo tropeços diante do cego contrapondo o escrito bíblico em Levítico (19,14).

Isto posto, maldito seja aquele que fizer o cego errar o caminho. 

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