TRAUMA só PSICOLÓGICO, será?!
O ritmo imparável da atualidade pode ser esmagador. Todos os dias somos confrontados, direta ou indiretamente, com eventos traumáticos como terrorismo, guerra, abuso sexual, violação, acidentes de viação ou aéreos, desastres naturais, homicídios, assaltos violentos ou agressões graves. Os mais jovens crescem num contexto generalizado que pode ser tido como ameaçador e os mais idosos podem encontrar dificuldade em adaptar-se às recentes mudanças. Nem mesmo o mais distraído se livra de conhecer o trauma. É uma inevitabilidade!
“ 75% dos portugueses irão experimentar um evento traumático ao longo da vida e 43,5% a mais do que um ” (Albuquerque, A., 2003).
Uma minoria das pessoas expostas a um evento traumático (7,8%) pode vir a desenvolver uma síndrome chamada de Perturbação de Stress Pós-traumático (PSPT). Após o trauma a pessoa pode começar a ter memórias perturbadoras e repetidas, pensamentos ou imagens intrusivas do evento traumático; ter sonhos perturbados e repetidos dessa experiência; sentir-se a agir ou a sentir como se essa experiência estivesse a acontecer de novo; ter reações físicas (por exemplo sentir o coração a bater mais intensamente, dificuldade para respirar, transpirar); pode começar a evitar pensar ou falar sobre essa experiência ou atividades e locais a ela relacionados; sentir culpa persistente e distorcida de si mesmo ou dos outros; desapego às pessoas; incapacidade para experimentar emoções positivas; irritabilidade fácil; comportamento imprudente ou destrutivo; dificuldade de concentração; hipervigilância; respostas em sobressalto; ou perturbações do sono. Para efeitos de diagnóstico, estas respostas são significativas e mantém-se após um mês do evento traumático.
“E sabemos que um trauma psicológico impacta a vítima no seu espírito, na alma, na mente, nas emoções, nas memórias e no corpo.”
Em todas as situações que a pessoa é colocada perante uma situação à qual não consegue dar uma resposta imediata e libertadora, gera-se um estado de desarmonia interna (tensão/stress) e uma nova dinâmica nos mecanismos homeostáticos. Durante, por exemplo, um acidente de viação grave, numa situação de assalto, sequestro ou de violação, a pessoa experimenta níveis elevados de ansiedade e stress e pode perder o controlo físico e psicológico da situação, podendo alterar os padrões normais da neuroquímica, estabelecendo novas redes neuronais, novas ramificações dendríticas e novas conexões sinápticas. A repercussão é sentida não apenas na estrutura neural, na amígdala (coração emocional, aquisição das respostas de medo), hipocampo (memória declarativa e de longo prazo) e córtex pré-frontal (regulação da resposta emocional e controlo inibitório da amígdala), mas também reproduz efeitos funcionais, nas cognições formadas a partir do evento traumático, nas suas impressões afetivas, comportamentos e nas reações fisiológicas. No caso do trauma ser por exemplo um abuso sexual quando a pessoa ainda é jovem, a forma como “vive” diariamente o evento ditará o seu futuro e pode ter consequências na sua saúde mental a longo prazo, na medida em que, a partir de então, a tentativa de o “esconder” na memória influenciará os seus pensamentos, sentimentos e comportamentos futuros.
A PSPT pode ser entendida como um tipo de medo aprendido, uma falha no processo de recuperação da pessoa.
A PSPT não se trata com fármacos! É muito frequente encontrarmos na nossa prática clínica pessoas em sofrimento com sintomas de PSPT, que tomam medicação “para o efeito” há anos. Fazem consultas de seguimento no seu médico de família, de longe a longe e ao longo de vinte minutos de consulta, para regular a medicação e são sujeitos às tentativas de intervenção psicoterapêutica por profissionais, que não estão habilitados nesta dimensão específica. Infelizmente, a psicologia intuitiva leva muitas vezes à leviandade do ato psicológico (ato praticado por psicólogos) e não é raro encontrar outros profissionais de saúde a dirigir-se ao paciente com um “eu também sou psicólogo”, confundindo o saber convencional com o saber técnico. O problema da pessoa mantém-se, pois não é tratado na sua origem!
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Estimados médicos, perante um quadro de PSPT, considerem a intervenção psicológica, realizada por psicólogos, antes de prescrever!
A resolução efetiva do trauma só poderá começar a ocorrer quando a pessoa com PSPT aceite integrar a nova informação da rede de medo nas estruturas da memória já existentes, de forma a que a perceção da ameaça coincida com a ameaça real. E para isto acontecer é preciso uma intervenção psicológica estruturada, realizada por um(a) Psicólogo(a).
Em pessoas com PSPT há uma sobrevalorização da ameaça, que diminui através da exposição imaginária gradual e reiterada à recordação do evento traumático, no ambiente seguro e controlado do consultório, ou através de atividades programadas de exposição in vivo, fora do consultório. Para se verificarem resultados eficazes a pessoa deve estar disponível para desafiar as suas memórias traumáticas e sentir as emoções associadas. Algo que se revela difícil quando a pessoa está sob o efeito da medicação, camuflando o problema. A pessoa acredita estar tratada, e não é assim.
“Tanto a psicoterapia como a medicação são eficazes no tratamento da PSPT, mas a psicoterapia é mais eficaz.” (Watts et al., 2013)
A PSPT é uma das condições de saúde mental mais tratáveis. A medicação é desaconselhada pelos guidelines mais recentes como intervenção terapêutica no primeiro mês após o trauma, até para permitir ao paciente beneficiar da tristeza e ruminação adaptativa, e desenvolver recursos próprios. Os mesmos guidelines recomendam como tratamento de primeira linha para a PSPT a abordagem psicológica com Terapias Cognitivo-comportamentais (TCC), se outro mal maior não existir, que podem ser providenciadas em sessões individuais ou de grupo. Os estudos têm demonstrado de forma consistente que as TCC, especialmente aquelas que se focam no trauma como a Terapia de Exposição Prolongada e Terapia de Processamento Cognitivo, são eficazes no tratamento da PSPT. Por vezes, estas duas abordagens (Psicoterapia/Fármacos) complementam-se.
Esta e outras perturbações na saúde mental podem ser melhor tratadas e minimizadas no seu efeito com uma intervenção psicológica especializada, atempada e direcionada ao problema de base. Por outro lado, ao intervirmos nos quadros PSPT de forma precoce, estamos não só a poupar sofrimento, como conseguimos tratar melhor toda a parte sintomática que está associada, e estamos também a diminuir a relação custo-saúde, associada ao tratamento farmacológico e dos sistemas de saúde, e a melhorar as relações familiares e sociais.
Ariel Milton, Psicólogo
Founder & CEO PTSD Center