True crimes e direito ao esquecimento
Por Marina Draib*
É nítida a explosão dos seriados do tipo true crimes no Brasil. O gênero agradou em cheio o brasileiro, e assim estamos assistindo à dramatização de fatos icônicos de nossa história. Esses documentários são permeados com violência e informações da vida privada dos envolvidos. Mas o que está atrás desta tendência?
No aspecto jurídico, podemos apontar dois grandes marcos. Primeiro, a liberação de autorização do biografado para as obras biográficas, concedida pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 4815). Embora a massiva opinião pública entenda que esse seja o único embasamento, o fato é que há um outro fator fundamental que possibilitou a ampliação dos documentários e biografias: o não reconhecimento do direito ao esquecimento em nosso ordenamento jurídico pelo STF.
No julgamento sobre as biografias, após batalhas judiciais envolvendo o lançamento de livros biográficos, interpretou-se os artigos 20 e 21 do Código Civil em consonância à liberdade de expressão e criação, o que acarreta ser inexigível a autorização da pessoa biografada para as obras literárias e audiovisuais (Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815 / DF ).
Na análise mais básica dos direitos em conflito neste debate, encontram-se de um lado a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e a preservação da memória e história e, do outro, a privacidade, a proteção de dados pessoais e a dignidade humana.
O direito ao esquecimento sugere que exista um direito de prevenir a publicação de informações verdadeiras e legalmente obtidas, tanto em meios de comunicação tradicionais quanto online, quando esses fatos, devido ao decorrer do tempo, perderiam seu contexto original ou relevância pública.
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Todavia, o STF afastou o direito de esquecimento, entendo que o transcorrer do tempo não desnatura o direito à informação e a liberdade de imprensa. Logo, os fatos poderão ser divulgados ou republicados a qualquer tempo (Tema 786).
Cabe também observar que o julgamento relativo ao direito ao esquecimento não diferencia entre quem o invoca, seja o transgressor ou a vítima, resultando na mesma conclusão: a reivindicação é juridicamente inviável por ser incompatível com a Constituição Federal de 1988.
Por fim, cumpre recordar que, em matéria de liberdade de imprensa e de expressão, a regra é a responsabilização posterior. Ou seja, garante-se a liberdade, mas se no seu exercício houver excesso ou violação a direitos de terceiros não amparados pelo interesse público, os veículos de comunicação serão responsabilizados. Em suma, o interesse público é a base desses dois julgamentos, seja sobre as personalidades públicas ou mesmo de fatos históricos.
* Marina Draib é advogada especializada em Direito Empresarial e sócia das áreas Mídia e Entretenimento no Vinhas e Redenschi Advogados.