Trump e a inflação
Uma das causas, entre outras, da derrota eleitoral de Kamala Harris foi a inflação nos EUA. Não a inflação em queda de 2024 (2,44% em setembro com relação ao mesmo mês do ano anterior), mas a subida do nível geral de preços acumulada desde 2020, com pico em 2022 (8,1%), com os reajustes de salários correndo atrás. A economia norte-americana neste ano vai bem com crescimento anualizado de 2,8% no terceiro trimestre deste ano e taxa de desemprego aberto de 4,1%. Todavia, a inflação acumulada vinha retirando poder de compra de consumidores norte-americanos de todas as classes sociais. Equivale a um regressivo imposto que atinge a todos de forma impiedosa. Vale aqui não o famoso bordão de que “foi a economia, estúpido” responsável pela derrota eleitoral. Cabe melhor a afirmação de que “foi a inflação, estúpido” uma das principais causas da derrota eleitoral do Partido Democrata. E Joe Biden não foi o responsável pela subida dos preços. A inflação resultou de choque de preços decorrentes da disrupção das cadeias globais de valor causadas pela pandemia. Essas cadeias levaram tempo para serem restabelecidas em meio a iniciativas de trazer a produção de insumos e matérias-primas para dentro do território americano em nome da autossuficiência e da segurança nacional (reshoring). Como sempre faz qualquer Banco Central como guardião da estabilidade monetária, o FED elevou as taxas de juros em 2020 e as manteve altas por quatro anos. Há dois meses começaram a declinar, sendo que o último corte realizado na semana passada, menor do que o de dois meses atrás (0,5%), foi de apenas 0,25%, estabelecendo a taxa básica de juros dos EUA entre 4,5% e 4,75%. Todavia a campanha de Trump imputou a responsabilidade pela inflação a Biden, narrativa que foi repetida à exaustão durante o período eleitoral. E foi bem sucedida. O cidadão americano não quer saber se a inflação é de custos (choques de preço) ou de demanda (aumento de gastos de governo, das empresas e das famílias além da capacidade produtiva da economia). Ele percebeu que perdeu qualidade de vida porque perdeu poder de compra e o Presidente incumbente é sempre responsável pelo dano econômico. Ocorre que Trump – caso imponha tarifas e deporte massivamente imigrantes ilegais como disse repetidas vezes que irá fazer – pode causar um novo choque de preços nos EUA, ou seja criar as condições para que a inflação ressurja com força. Ao impor tarifas de até 60% sobre as importações da China e, em menor escala, de 10% a 40% sobre bens oriundos de outros países, os preços de bens finais vão ficar muito mais caros para o consumidor norte-americano. Além disso, haverá retaliação a essas iniciativas protecionistas que irão atingir empresas norte-americanas, sua produção e o emprego gerado por elas. As perdas de riqueza e de bem-estar decorrentes de guerras comerciais são bem conhecidas na literatura econômica e na história do capitalismo. Todos saem perdendo. Imigrantes ilegais estão em posições na estrutura ocupacional norte-americana que não são preenchidas pelos americanos “comuns”. São ocupações, em geral, de baixa qualificação e remuneração nas quais os imigrantes “ganham” precariamente a “vida”, enquanto aguardam as chances, cada vez menores, de serem legalizados. A prometida deportação em massa vai gerar escassez de mão de obra nessas ocupações, pressionando os custos de contratação para cima. E para atrair os norte-americanos nativos para ocupá-las, os salários terão que ser mais atraentes. Portanto, a inflação que ajudou Trump a se eleger pode ser a inflação que ele vai causar ao impor tarifas sobre as importações dos EUA e ao deportar milhares de trabalhadores ilegais. Ajustes levam tempo. Políticas de reshoring (trazer de volta indústrias para o território dos EUA) ou de nearshoring (criar estímulos para que empresas norte-americanas produzam no país e não no exterior) demandam tempo para ocorrer, quando e se forem viáveis. Por outro lado, ajustes no mercado de trabalho também não são instantâneos. Muitos choques de preços e surpresas econômicas devem emergir na nova era Trump, para o bem ou para o mal. A ver.
Jorge Jatobá, doutor em Economia, professor titular da UFPE, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco, e presidente do Conselho de Honra do LIDE-PE e sócio da CEPLAN - Consultoria.