Tuchel, o Travessão e o Tabu
Os mais de 5 anos que trabalhei no Wembley Stadium - a segunda metade para a The FA - me renderam algumas boas histórias. Certa vez, estava recebendo a delegação de um clube chines liderada por um diretor técnico alemão. Ao subir as escadas rolantes que levam aos camarotes - onde tradicionalmente realizavamos os encontros - sempre passavamos por elementos marcantes da história do estádio. Um deles, era o travessão original da baliza utilizado na final da Copa de 1966, que permanece lá exposto e que definiu a até hoje polêmica vitória inglesa sobre os germânicos. Ao passar por ele, meu convidado foi implacável:
- Claro que isso tinha que estar aí, é o maior craque da história deles!
Isso ilustra o sentimento um pouco esquisito de ver um nativo da terra de Beckenbauer assumir um job mais dificil que o do Prime Minister, como definido pela imprensa local. Não pelas indiscutíveis qualidades e currículo apresentados por Thomas Tuchel em sua carreira. Mas pelas rivalidades e folclore que envolvem os dois países, futebolisticamente falando.
Como nasci no Brasil mas vim trabalhar no futebol inglês há quase dez anos, consigo captar e entender alguns códigos e sentimentos não falados, e escritos, mas ensurdecedoramente compreendidos por todos. Já que estamos na maior rede profissional do mundo, vou buscar resumir aqui os ângulos mais cruciais que foram analisados pelo gestor que apontou TT para o cargo:
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Escassez de treinadores ingleses na elite - somente três treinadores da atual Premier League são ingleses. O último título doméstico conquistado por um treinador inglês foi a FA Cup de 2008 por Harry Redknapp. O último título europeu, a UEFA Cup de 1981 por Sir Bobby Robson. Antes de Gareth Southgate, que emergiu da Seleção U21, a última tentativa 100% inglesa foi Sam Allardyce, que como treinador de clubes transitava entre a primeira e segunda divisão, e é conhecido por salvar times do rebaixamento. Os nomes defendidos pelos puristas, como Graham Potter e Eddie Howe, são promissores, mas ainda não tem uma UCL no CV como Tuchel.
Globalização da Premier League - é um ciclo virtuoso - nomes como Mo Salah ajudam a vender direitos de TV milionários em territórios como o Oriente Médio. O dinheiro distribuído quase que igualitariamente entre os clubes faz com que recém-promovidos como Ipswich Town tenham o poder de atrair nomes como Kalvin Phillips, ex-Man City. Mas o próprio Phillips, um talentoso volante destaque no vice da Euro 2020, só encontrou espaço para jogar num clube que não subia há décadas. Se é difícil para os jovens jogadores, é pior ainda para os treinadores promissores. E o público inglês, acostumado com as maiores estrelas internacionais nos seus clubes do coração, tem pressa para a Seleção.
1966 e o tabu - mesmo com os “quases” de 2020 e 2024, Harry Kane ainda não ganhou uma estátua em Wembley junto a Bobby Moore, capitão da histórica conquista da Copa do Mundo em casa. E o próprio Tuchel deixou bem claro sua missão nas primeiras entrevistas - adicionar a segunda estrela junto ao escudo dos Three Lions. Entre alimentar o orgulho inglês apostando em um nome nativo ou alcançar o objetivo o mais rápido possível, The FA olhou para o sucesso do futebol feminino - a holandesa Sarina Wiegman conquistou uma Euro e um vice da Copa do Mundo em pouco mais de três anos no cargo. Justiça seja feita, o trabalho de base realizado domesticamente pela The FA antes das conquistas foi espetacular - palavra de quem conheceu os detalhes in-loco.
A escolha de Thomas Tuchel fez ex-jogadores como Gary Neville - irmão de um potencial postulante ao cargo, Phil Neville - publicamente torcer o nariz para a decisão - óbvio, tudo muito polite! Mas, diante dos pontos acima, o processo de decision-making seguiu a meritocracia e a conexão do futebol local com o panorama global. Além disso, dos treinadores de elite livres no mercado, Tuchel talvez fosse o nome mais forte. Apontar o francês Zinedine Zidane seria meio demais, não é mesmo?
Partner @ Solv Marketing
3 m❤️👏🏻👏🏻👏🏻
Founder & CEO @ Global Player Solutions | Ex Everton FC | Ex The FA
3 mAdicionei alguns links ao texto com mais informacoes!
Formado em Jornalismo, pela Faculdade Boas Novas, Manaus - Amazonas.
3 mExcelente texto, Gustavo!
Podcast Football
3 mObrigado pela analisi Gustavo! Fusée n'a pas de marche arrière 🚀