Tudo sob controle?
“...E deixa a vida me levar, vida leva eu...”, o trecho da letra da música da dupla Serginho Meriti /Eri Do Cais, ficou famosa no Brasil inteiro na voz de Zé Pagodinho. Virou um hino para quem deseja viver a vida sem muita pressão, sem planejamento, reagindo ao sabor dos acontecimentos. Alguns acharam um sentimento irresponsável. Outros viram ali um aprendizado importante.
Fiz essa pequena introdução musical-poética para refletir sobre a necessidade de ter ou não tudo sob controle. Pegando carona com o grande poeta português Fernando Pessoa, numa comparação bem simplista, diria que “planejar é preciso, mas viver também é preciso”.
Nesse aspecto, o planejamento do que desejamos conquistar para nossos projetos ajuda a tornar tudo mais claro e exequível. Mas será que é preciso ter tudo o tempo todo sob controle? E o friozinho na barriga quando deixamos as coisas acontecerem naturalmente?
Mas será que é preciso ter tudo o tempo todo sob controle? E o friozinho na barriga quando deixamos as coisas acontecerem naturalmente?
Essa sensação fica mais nítida quando analisamos a experiência das pessoas em atividades que colocam à prova a resistência ao imprevisto, mas de uma forma um tanto lúdica. É o caso do universo dos vinhos.
Recentemente assisti a um novo episódio do programa Um Brinde ao Vinho, da sommelier argentina radicada no Brasil, Cecília Aldaz, no Mais Globosat. Na primeira parte ela abordou os chamados “vinhos de garage” ou “vinhos de autor”, visitando dois produtores da cidade Garibaldi, na região da Serra Gaúcha.
O que me chamou atenção para o tema da crônica é que nessa opção pelo artesanal os vinicultores abrem mão da comodidade de adicionar componentes enológicos. Essas substâncias fazem parte da produção em escala industrial e proporcionam um controle do que vai acontecer.
No entanto, no artesanal é o contrário. É um mergulho na incerteza do que acontecerá com a produção, desde a plantação, passando até a colheita, a fermentação, o tempo de guarda no barril e, finalmente, o nascimento da bebida milenar.
Um dos vinicultores explicou a dimensão da sua escolha e da sua paixão. “Abri mão da comodidade que os produtos enológicos trazem e cai numa zona de completo desconforto. Dessa forma, eu não tenho mais como moldar os meus vinhos como eu quero e tudo fica incerto. Eu só dou o caminho, a direção. Quem manda nas minhas vinificações são as uvas. Se o vinho sai um pouco desiquilibrado, ou com uma acidez mais alta tenho a esperança que com o tempo ele se harmonize”.
A opção por esse método de produção é sofrida, tensa, angustiante. No entanto, notei uma vibração especial e um brilho incomum nos olhos dos vinicultores entrevistados. “E deixa a vida me levar, vida leva eu...”.