Um Ano Bem Diferente
Existem vários motivos para 2020 ser um ano distinto do ano que passou. Muitos motivos são aspectos macroeconômicos, enquanto outros são geopolíticos. O resultado é um ambiente econômico mais favorável, mas um ambiente financeiro mais complexo.
O ano começou com a reação dos mercados a tensão geopolítica no Irã, mas a história mostra que os aspectos macroeconômicos predominam com o passar do tempo. Os Estados Unidos, a Europa, a China, a Índia, o Japão, o restante da Ásia e demais emergentes, como a América Latina, possuem todos algum aspecto macroeconômico marcante, sendo alguns com elementos políticos combinados.
Crescimento e curva de juros nos Estados Unidos
O aspecto marcante nos Estados Unidos é o fim do slowdown e do risco de recessão que marcaram o ano passado. Porém, a recuperação do crescimento não está sendo muito linear, pois a produção industrial entrou em janeiro com nova queda.
O mercado de trabalho, por sua vez, segue com o desemprego em mínimos históricos e salários em ascensão. A confiança do consumidor segue firme, o que torna uma questão de tempo até que a atividade ganhe mais força e se estabeleça como a mais longa da história.
O normal nestas situações é o aumento da inclinação da curva de juros, movimento que registrou os primeiros passos mais de uma vez desde o ano passado, mas terminou interrompido por alguma aversão ao risco, como o caso agora após a atividade militar no Iraque e Irã.
O movimento de alta das taxas de juros de prazo mais longo foi novamente adiado, mas deve acontecer nos próximos meses e pressionar para baixo o preço dos títulos corporativos em dólar, ou mesmo em outras moedas.
Os próximos meses devem ser dominados pelo processo de impeachment do presidente D. Trump no Senado, onde tem maioria e pouquíssimos esperam que 2/3 votem para retira-lo do cargo. O julgamento do ex-presidente B. Clinton durou 4 semanas, mas o caso era mais simples e houve acordo para agilizar o processo. A disputa diplomática e militar no Oriente Médio vai dividir a atenção e talvez favoreça um desfecho mais rápido.
Há, simultaneamente, a assinatura da fase 1 do acordo comercial com a China e uma certa decepção com a manutenção da maior parte das tarifas ao longo do ano, o que retirou uma possível euforia com o acordo preliminar. O uso eleitoral de ameaças de mais tarifas sobre a China, Europa e outros países pode gerar volatilidade.
A comunicação da política monetária aponta para juros de curto prazo estáveis por um longo período, portanto, o que importa para o movimento dos juros de longo prazo é o ritmo de crescimento.
Existe também uma expectativa relevante de enfraquecimento moderado do dólar, pois a maioria considera uma desvalorização em torno de 5%, raramente mais que isso, entre diversos relatórios sobre 2020.
Europa e Reino Unido
Os aspectos marcantes para a Europa são a conclusão do Brexit e o aumento modesto do crescimento. Espera-se que a Alemanha escape da recessão, enquanto a União Europeia negocia, entre março e dezembro, novos termos da relação comercial com o Reino Unido.
A renovação das lideranças na Europa cria expectativas, pois uma alemã na Comissão Europeia pode acertar um uso mais intenso da política fiscal para apoiar a política monetária. A perspectiva de maior oferta de títulos públicos pode retirar as taxas negativas de vários deles, o que também pressiona para baixo o preço dos títulos em euro.
O Reino Unido possui todos os elementos para sair da UE em janeiro, mas os novos termos da relação comercial são cruciais para o cenário. Há quem considere que a negociação do livre comércio seria rápida porque o Reino Unido já atende a todos os requisitos da UE, mas há quem argumente que acordos comerciais são muito complexos para serem acertados em menos de um ano.
Menos visível, até pela precedência da negociação com a UE, está a oferta informal de D. Trump para um acordo comercial “irresistível” para o Reino Unido. Seria um redesenho relevante da economia global, mas que depende da reeleição nos Estados Unidos, porém, seria capaz de tornar um Reino Unido bem resolvido com a UE e, posteriormente, mais integrado aos Estados Unidos, uma espécie de hot spot global.
O maior crescimento europeu e uma perspectiva mais favorável para o Reino Unido, depois de tantos problemas, são as senhas para a valorização do euro e da libra, esta última com a possibilidade de ser a melhor moeda entre as economias desenvolvidas.
China, Índia e Japão
Há muitas mudanças na Ásia, a começar por um ambiente de negócios mais ocidentalizado na China, exigência do acordo com os Estados Unidos. Estas mudanças levam tempo para amadurecer, mas a China entrou em 2020 com mais estímulos monetários para sustentar o crescimento (e ainda há estímulos fiscais definidos anteriormente).
O FMI definiu 2020 como um ano de transição para a redução do endividamento das firmas e famílias, portanto, o escrutínio dos indicadores de crescimento pelo mercado vai ser permanente. A redução do risco de novas tarifas de importação americana pode melhorar a confiança e, talvez, até valorize moderadamente o renminbi. A continuidade das manifestações em Hong Kong e as consequências da eleição em Taiwan em janeiro complementam os pontos de atenção.
A Índia possui uma combinação peculiar. O crescimento desacelerou de forma inesperada, mas, ao mesmo tempo, o primeiro-ministro N. Modi conquistou uma das maiorias mais marcantes em décadas. Há estímulos, como os cortes de juros realizados no semestre passado, e há quem espere reformas, pois se tornou visível a ausência de transferência de produção da China para a Índia pela regulação excessiva e ineficiente.
O Japão combina um aperto fiscal auto-imposto com a volatilidade típica de sua atividade, o que deve ser agravado pelas mudanças de jornada durante a Olimpíada, como ficou claro nos indicadores do Reino Unido e Brasil. O iene é uma moeda difícil, pois se valoriza durante aversões a risco e desvaloriza em momentos mais favoráveis da economia global.
Brasil: a hora da verdade
O aspecto relevante é quantas das seis emendas constitucionais com alguma relevância, atualmente no Congresso, irão avançar em um espaço tão curto como o primeiro semestre. O crescimento tem tudo para se estender por mais tempo, o ponto de atenção é o avanço de tantas reformas simultâneas.
O governo federal promoveu um ajuste fiscal expressivo, ao ponto de terminar o ano com um déficit próximo da metade da meta original. O ano de 2020 precisa ser o ano em que os governadores consolidam grandes cortes de gastos, mas, para isso, algumas emendas constitucionais precisam proporcionar mais e melhores instrumentos.
Há também grande expectativa sobre até que ponto o suposto consenso para substituir Cofins, PIS, IPI, ICMS e ISS por um único imposto sobre o valor agregado de bens e serviços vai prosperar. Outra mudança de grandes proporções seria a passagem do imposto de renda do lucro para os dividendos distribuídos pelas empresas. Há outros projetos relevantes, como a independência do Banco Central.
Sobre o ajuste fiscal, a aprovação de uma parcela importante e coerente de mudanças fiscais vai consolidar a curva de juros em torno do patamar atual e toda a expectativa de grandes captações pelo mercado de capitais em 2020 e anos seguintes poderá se concretizar.
A elevada dívida pública bruta, herdada da grande crise brasileira, está no limiar de entrar em trajetória de queda contínua, a partir de um patamar muito mais baixo. É mais uma mudança concreta e de grandes proporções, portanto, o primeiro semestre brasileiro vai trazer fortes emoções.
O crescimento está se consolidando e o mercado de trabalho nos meses finais do ano (até novembro) mostrou mudança importante. O pessoal ocupado registrou aumento de 4,6 milhões de novos empregos desde o final da recessão em 2016, mas 91% foram empregos sem carteira (31%), ou por conta-própria (60%). O aumento do pessoal ocupado entre agosto e novembro mudou e registrou 48% de empregos formais.
Ao mesmo tempo, várias sondagens sobre intenções de investimento começam a mostrar aumentos moderados. Um aspecto notado no ano passado foi a avanço abaixo do esperado do programa de privatizações, ainda muito centrado no desinvestimento de estatais como a Petrobrás. Este ano deve ser um ano de transição, quando vários leilões de concessão e privatização de estatais serão lançados para terem seus efeitos sentidos a partir de 2021.
Enfim, o ano de 2020 vai mostrar o quanto é para valer o ajuste fiscal, a manutenção de juros baixos e o crescimento do consumo e investimento. O aumento da taxa de investimento é bastante provável, pois se encontra pouco acima da reposição da depreciação do estoque de capital e o consumo doméstico deve se firmar.
O Brasil, como todo país de poupança doméstica baixa, geralmente cresce e, ao mesmo tempo, aprecia a taxa de câmbio por causa da absorção de poupança externa. O balanço de pagamentos está em ordem para o processo e a taxa efetiva de câmbio está cerca de 10% mais depreciada que a média desde a flutuação em 1999. Uma vez que se realize a expectativa que o dólar se enfraqueça, o real tem todos os motivos para se apreciar ao longo do ano.
Na região do Brasil, existe a perspectiva de continuação da crise nas duas maiores economias, a Argentina e Venezuela. O ambiente no Chile enquanto se elabora a nova constituição é outro fator de atenção.
Agora, a parte difícil
Então, o que vai deixar o ambiente financeiro mais complexo?
A primeira razão é o maior crescimento geralmente se associar a taxas de juros de prazo mais longo mais elevadas. Os prêmios de risco do crédito privado costumam ser pró-cíclicos, pois caem quando o juro é muito baixo, mas sobem quando as taxas de juros estão em elevação.
O movimento tende a ser liderado pelos títulos em dólar, mas deve ser acompanhado pelos títulos europeus, especialmente se as lideranças europeias acertarem o uso mais intenso da política fiscal e houver maior oferta de títulos públicos.
A renda fixa global possui, por esses motivos, o potencial de retornos baixos pela queda no preço dos títulos nos principais mercados. O maior crescimento favorece a renda variável, mas não repete o ano passado, pois a valorização expressiva no ano calendário veio, em parte, da recuperação da queda forte nos meses finais de 2018.
Existe também a questão do preço do petróleo e seus efeitos no crescimento. Havia um consenso que o preço da energia em 2020 seria mais baixo, pois há excesso de oferta no mundo, ao ponto da OPEP negociar a extensão dos cortes de produção. O quanto a tensão entre os Estados Unidos e o Irã muda o cenário é desconhecido, embora, até o momento, o efeito tenha sido modesto.
Uma consequência da geopolítica é o possível home bias do investidor dos mercados desenvolvidos por conta da aversão ao risco. A queda do dólar geralmente favorece economias emergentes, mas podemos ver um ambiente de maior crescimento onde os emergentes se beneficiem menos por causa do risco geopolítico. Esta consequência torna o avanço das reformas no Brasil ainda mais relevante para definir e consolidar o cenário local, seja para pior, seja para melhor.
O ano de 2019 registrou o mais baixo crescimento em tempos, mas registrou queda de juros e a consequente valorização dos títulos e das ações, o que propiciou retornos elevados. O ano de 2020 deve registrar maior crescimento, mas possivelmente deve registrar elevação das taxas de juros mais longas, o que torna o ambiente de investimento muito diferente.
Professor Strategic Business
4 aAnna Andrade
Empreendedor, consultor financeiro e professor.
4 aMarcelo, excelente ponto de vista! #brasil2020.