Um estudo do SOA - Society of Actuaries a respeito do que atuários devem considerar em tempos de COVID-19

Um estudo sobre características chave do COVID-19 e os riscos a serem considerados pelos atuários

(Este texto foi escrito com base em estudo disponibilizado pelo SOA – Society of Actuaries, março 2020, em www.soa.org.br)

Ao final do artigo, deixo uma planilha disponível para download feita pelo SOA que permite simulações sobre o tema que procurei abordar neste texto.

• Desde o final de 2019, quando foram diagnosticados os primeiros casos de Corona Vírus e sua rápida expansão, tiveram início as quarentenas em diversas cidades da China.
• Em menos de 2 meses, já se contabilizavam mais de 180.000 casos, o que já era sabido que eram números subestimados, uma vez que o tempo para execução dos testes era demorado e até mesmo alguns países não divulgavam na mesma velocidade que confirmavam seus casos.
• Após a confirmação de mais de 7.000 óbitos provocados pelo Corona Virus Disease (Covid-19), em 11 de março, houve a caracterização de pandemia, sendo em seguida declarado no EUA o Covid-19 uma emergência nacional.
• No momento da publicação deste artigo, menos de 10 dias após o fato acima, observamos pelo mundo o cancelamento ou adiamento de eventos esportivos, religiosos, musicais, para evitar que pessoas tenham contato com outras. Tudo em prol da não-contaminação de mais pessoas. Nos EUA, por exemplo, os CDCs (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) estabeleceram normativos que indicavam que eventos com previsão de 50 ou mais pessoas deveriam ser cancelados ou adiados.
• Saúde, mortalidade e a economia tornaram-se as preocupações centrais internacionais, com mais de uma dúzia de países reportando mais de 1.000 casos confirmados. O que diferencia esses países é a velocidade em que os testes são executados e que processos são adotados em suas populações para aumentar a prevenção à doença.
• Vivemos uma era de economia internacional interconectada, e os efeitos até agora se mostraram exacerbados no mercado financeiro e no mercado logístico. Viagens suspensas, trânsito de mercadorias colocadas “em xeque”. Alta volatilidade a cada notícia referente a dados novos sobre a expansão de pessoas infectadas nos países, políticas monetárias implementadas por países, trazendo à tona oportunidades aos investidores. Quanto mais manufaturas conectadas aos continentes, maior o impacto também nas transações comerciais internacionais.
• Assim, já na segunda metade de março/2020, temos uma convergência de riscos. Novos riscos operacionais e financeiros podem vir a surgir à medida que novos eventos ocorram. Nesse ínterim, os atuários estão de olho não apenas em possíveis eventos que podem causar agravamento de riscos de mortalidade, saúde bem como os catastróficos decorrentes do clima.
• Morbidade, mortalidade, ALM e riscos operacionais fazem parte de todo esse contexto, desde o início.

CASOS REPORTADOS

• A seguir, alguns números que foram coletados por organizações mundiais de saúde pelo mundo, todos referentes a países com pelo menos 1.000 casos confirmados, colhidos por quaisquer agentes públicos de saúde.

CASOS FATAIS E TAXAS DE MORTALIDADE

• O CFR (em inglês, “case fatality rate”), considera o número de óbitos em relação ao número de casos identificados. Adotando-se tal metodologia, os primeiros números indicavam um percentual de 3,9%, enquanto os valores publicados pela mídia estavam entre 3% e 4%. Tais estimativas são frequentemente ajustadas, devido à alta probabilidade de haver um relatório subestimado dos casos atuais. Muitos casos potenciais não são identificados a tempo, por conta de demora dos laboratórios para produzir os resultados e a inexistência em alguns países de kits suficientes para os testes necessários. Adicionalmente, há ainda os casos com sintomas leves ou assintomáticos, que não são tratados, quando as pessoas não buscam o tratamento.
• Nos EUA, os primeiros índices obtidos para o CFR estavam entre 3,5% e 4,5%, um pouco acima da média mundial. Tal índice se justifica por ter se identificado o vírus em pessoas idosas, cujos efeitos da doença são mais fortes. À medida que novos casos foram sendo identificados para todas as idades, o CFR reduziu-se para limites entre 1,5% e 2,0%.
• Ambos, CFR e Taxas de Mortalidade estão se mostrando crescentes conforme a idade, destacando-se as idades de pacientes acima de 70, quando as condições de saúde enfraquecem a saúde dos pulmões e o sistema imunológico.
• Estimativas do CFR para pessoas mais idosas apontam para taxas entre 8% e 10%, tomando por base diversas fontes oficiais de saúde e de mídia.
• Dados recentes do Centro de Diagnóstico, Controle e Prevenção de Doenças da China mostram um quadro com uma quantidade de dados ampla referentes ao CFR, na população local. A média obtida geral foi de 2,3%.
• Vejamos os números, por faixas de idade de 10 em 10 anos.

• Um fator ainda importante na questão do COVID-19 diz respeito ao clima. Assim como foi com o vírus Influenza, em países com temperaturas mais amenas, o vírus tem mais resistência e facilidade em se propagar. Em países como o Brasil, com temperaturas mais elevadas, os vírus não sobrevivem tanto no ar. Existe o risco da contaminação do Corona vírus se deteriorar com a chegada da primavera no hemisfério norte, mas poderá retornar como uma “segunda onda”, nos últimos meses de 2020, com a chegada do outono e inverno.
• As seguradoras que oferecem seguros de vida provavelmente voltarão seus olhares para o quanto a taxa de mortalidade traduzirá a mortalidade recente de sua população segurada. O fator socioeconômico será super relevante nessa análise, para permitir estudar o comportamento da mortalidade para pessoas que possuem ou não o seguro saúde e tiveram ou não acesso aos serviços de saúde. Atuais condições de saúde também podem contribuir para análise de taxas de sobrevivência em casos confirmados da doença.

COMPARATIVO COM EPIDEMIAS ANTERIORES

• O que o Covid-19 tem de incontestável é sua capacidade de proliferação, que é muito superior à diversas outras grandes epidemias que ocorreram neste século. Já passamos por outras com taxas de mortalidade muito superiores. SARS-CoV-2, é apenas uma entre sete  diferentes Corona Virus que podem infectar humanos. Há 4 tipos de Corona vírus que raramente causam sérias complicações ou eventos de morte. O Vírus SARS-CoV causou o SARS, (Severe Acute Respiratory Syndrome) em 2003, e, mais recentemente, em 2012, o vírus MERS-CoV causou o MERS (Middle East Respiratory System).
• Para ilustrar, observemos o quadro seguinte, que compara COVID-19, MERS e SARS. Os dados estão posicionados em 16 de março, ou seja, são recentes.

Custos com Despesas Assistenciais e Utilização

• Os custos em saúde relacionados aos tratamentos individuais provocados pelo COVID-19 tendem a aumentar, segundo os primeiros estudos realizados em alguns países, incluindo os EUA.  As pesquisas apontam que o fornecimento de produtos necessários para a realização dos testes é menor que a demanda. A realização dos testes não é simples, pois envolve um processo de realização em tempo real de uma reação em cadeia para a detecção do vírus SARS-CoV-2. E, para complicar mais um pouco, embora estejam aumento o número de kits fornecidos, nem todos os laboratórios ou hospitais reúnem a capacidade necessária para realização dos testes.
• Atentos à essa questão, diversos países estão buscando formas de aprimorar habilidades para conseguir atender à demanda para os testes e ter processos eficientes. Na Universidade da California, os centros médicos transformaram laboratórios em centros de casas de testes de Corona vírus.  E, visando estimular o diagnóstico precoce da doença, seguradoras de saúde americanas decidiram renunciar a cobrança de coparticipação e divisão de custos para os exames do COVID-19. Diversas empresas farmacêuticas estão desenvolvendo e testando tratamentos para o COVID-19, mas os resultados ainda são preliminares.
• A novidade do vírus complica os esforços em pesquisas, mesmo com informações crescentes da China sobre os primeiros casos detectados, para buscar descobrir o que poderiam ser potenciais tratamentos e soluções. Estimativas iniciais apontam para um período entre 12 e 18 meses para se saber sobre a efetividade e segurança das vacinas propostas.
• Há casos como o da Coréia do Sul que nas últimas semanas que antes tinha um grande número de casos detectados mas que desde o início deste mês assistiu ao declínio de novos casos de SARS-CoV-2. Aproximadamente 250.000 testes foram administrados desde que começou o surto. São 15.000 testes por dia. Foram criados diversos centros de testes drive-through para evitar a exposição dos trabalhadores ao vírus. Os EUA também começaram esse processo através de algumas instalações em alguns estados e já busca expandir para parceiros privados do setor farmacêutico.
• No geral, os custos de utilização dos planos de saúde em muitos países serão impactados pelas decisões individuais. Há casos que não podem ser evitados tratamentos ou exames, tais como a quimioterapia, transfusões, cirurgias já pré-agendadas. Para atender estes casos, hospitais começaram a se mobilizar para assegurar que estes pacientes, de alto risco, não comprometam seus sistemas imunológicos sendo expostos ao vírus. Por outro lado, é esperado também que, por conta de toda a campanha que vem sendo feita pelos governos para que as pessoas evitem a interação social e também pelo fato dos indivíduos estarem nervosos com a possibilidade de infecção ao comparecerem aos hospitais, diversos serviços programados em saúde serão adiados e novas doenças não sejam diagnosticadas pelas próximas semanas, na mesma frequência de outrora. Telemedicina e serviços de saúde por telefone tendem a ganhar mais força nesse momento, quando pessoas que antes preferiam os métodos tradicionais, de consulta presencial, talvez agora optem por esse método alternativo para tentar cuidar de suas saúdes.
• Os reguladores de seguros em diversos países discutirão como o tratamento de solicitações e processo de pagamento de prêmios podem precisar serem modificados em virtude do vírus. Nos EUA, estava previsto para ocorrer na data que este artigo está sendo publicado, (20 de março), a National Association of Insurance Comissioners discutiriam a resposta do Estado, coordenação e diretrizes potenciais para a indústria de seguros norte-americana em torno do COVID-19.

TAXA DE PROPAGAÇÃO DE INFECÇÃO

• A distância que o vírus pode ser transmitido de uma pessoa infectada é de aproximadamente 1,8 metros. Estima-se que uma pessoa pode transmitir para 2 a 4 pessoas sem a proteção. Outra questão significativa é o período de incubação do vírus, que pode levar entre 2 a 14 dias para aparecerem os primeiros sintomas. Justamente por esses motivos a quarentena foi implantada em vários países.
• Tornou-se comum o novo conceito “social distancing”. Nada de programas externos, época de restaurantes fecharem, bares, discotecas. A ordem é reduzir o contato social presencial. As pessoas estão sendo orientadas a se distanciar das outras e medidas administrativas estão sendo tomadas. No Brasil, foram reduzidos os números de veículos de transporte, as fronteiras estão sendo fechadas.
• Modelos de simulação atuarial podem medir o impacto da distância social. Sim, é isso mesmo. O SOA desenvolveu um modelo para simular os efeitos da não proximidade de pessoas. Em um modelo simples, pode-se simular a proporção da população em vários estados de saúde ao longo do tempo: saudável, ligeiramente doente, severamente doente e morto usando probabilidades a partir de um vírus hipotético. Por se tratar de um modelo simples, com propósito exclusivamente ilustrativo, os estados de saúde são meramente conceituais.
• A planilha para download encontra-se disponível no link a seguir.

• Os gráficos a seguir representam ilustram o potencial impacto sobre o tempo em situações distintas: Na Fig. 1, há um baixo distanciamento social enquanto que o segundo gráfico, Fig. 2, está representada uma situação com uma distância social considerável. Através desses exemplos, percebe-se de forma clara o benefício potencial de moderar o impacto da doença ao espalhar a alta demanda pelo sistema de saúde ao longo do tempo. Este fenômeno vem sendo debatido intensamente, quando se consegue o “flattening the curve”, uma espécie de achatamento da curva, com um ritmo bem menos acelerado de casos novos detectados e acúmulo de pacientes doentes.

• Como exemplo de comparação, outros patógenos transferem-se mais facilmente no ar por distâncias bem maiores, por até 30 metros, como tuberculose, catapora e sarampo. Autoridades de saúde conseguiram com o SARS Corona vírus (2003) isolar os casos, tornando o percentual de infecção em torno de 0.4%, o que suprimiu o surto.

IMPACTO ECONÔMICO E ATIVOS

Variáveis Macroeconômicas

• Quanto ao impacto do Covid-19 no mercado financeiro, observou-se nos EUA, na Inglaterra e no Brasil, dentre outros países, reduções nas taxas de juros adotadas nos respectivos países, como forma de limitar/enfrentar a queda econômica e financeira.
• Para este ano 2020, em função do impacto global do vírus na atividade econômica, a OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico) estimou que o crescimento global poderá ser reduzido em até 1,5%. Corresponde à metade do que havia sido projetado em Nov/19. De forma similar, o FMI (Fundo Monetário Internacional) poderá ser reduzido para 2.9%. A última projeção era de 3.3% em Jan/20. Revisões de projeções desse nível são esperadas também para o PIB (Produto Interno Bruto) de países com elevado PIB, com reduções em torno de 1.0%.  

Valores de Ativos e Volatilidade

• Eventos como Circuit Breaker no Brasil tornaram-se frequentes neste mês de março, bem como situação similares ocorreu na Bolsa de Nova York (NYSE), após queda de 7% do S&P em 9 de março e novamente, uma semana depois, com quedas entre 12% e 13% nos índices do mercado.

Ambiente de baixas taxas de juros do mercado

• As taxas de juros dos títulos americanos atingiram marcas mínimas históricas.

Risco de Reinvestimento

•  Como consequência, após as quedas substanciais das taxas de juro, tornou-se ainda mais difícil o reinvestimento dos ativos para instituições financeiras. Manter os cupons que dão suporte às taxas de crédito se mostrarão ainda novo desafio enquanto perdurar o ambiente de baixas taxas de juros no mercado.

RISCOS OPERACIONAIS E NOVOS RISCOS

Operacionalização de Hospitais

• Parte do risco para a saúde pública e privada concentra-se na capacidade dos hospitais de absorverem pacientes infectados, ou seja, existência de leitos hospitalares e equipamentos que permitam a recuperação dos pacientes, principalmente os aparelhos respiratórios. Diversos países converteram espaços em centros de tratamento ou construíram unidades de atendimento médico para poder absorver tal demanda.
• No quesito atendimento, há o apoio da tecnologia que permite a análise de pacientes feita por robôs (chatbots), bem como através de métodos screening online. Através desses métodos, evita-se que o vírus se propague, sem mencionar os casos que demandariam isolamento completo das pessoas infectadas.

Trabalho Remoto

• Conhecido no Brasil como home office, há de se observar o que preveem as leis trabalhistas dos países quanto ao trabalho em ambiente doméstico. Além disso, empresas que possuem elevado grau de processos físicos tem neste momento o risco de ver a sua produtividade reduzida, implicando em resultados abaixo do esperado, perda de eficiência. Há de se levar em consideração também os riscos relacionados às informações confidenciais em um ambiente externo, não monitorado pelas empresas.

Capacidade de provedor de serviço de internet

• Empresas precisam ter sistemas robustos que permitam acessos simultâneos à distância para que a produtividade seja mantida ou pelo menos que não seja reduzida de forma acentuada.

Riscos Cibernéticos

• Crimes cibernéticos podem ter um aumento neste momento. As empresas devem implementar proteções adicionais em seus sistemas, bem como devem assegurar que os dados salvos nos computadores sejam criptografados para que não sejam extraviados em caso de perda ou roubo de equipamentos ou mesmo invasões cibernéticas em computadores pessoais dos próprios empregados. Não é de se esperar que para cada empregado de uma empresa haja um computador portátil disponível para utilização em ambiente externo. Em um ambiente de aumento de discussões sobre proteção de dados privados, o uso de wi-fi público ou doméstico e seu possível risco de invasão, além  dos custos associados à recuperação de dados perdidos de clientes são riscos que podem se tornar mais proeminentes.

Armazenamento em excesso de suprimentos

• O risco de se prolongar o período de quarentena traz à tona a questão de eventual falta de produtos disponíveis para o consumo, uma vez que os indivíduos tendem a estocar produtos básicos para enfrentar grandes períodos de isolamento. Citam-se por exemplo itens de alimentação, itens de higiene, principalmente álcool e outros materiais que promovem esterilização e prevenção ao vírus.

 Cancelamento de eventos e fechamento de restaurantes

• Apólices de seguro que estão sendo oferecidas já estão incluindo cláusulas específicas de exclusão de cobertura quanto ao Corona vírus, em políticas de cancelamento de eventos. Há de se observar que há profissionais que dependem da realização desses eventos para terem suas remunerações, que estão neste momento sendo assumidas pelas empresas que os contratam.
• Diversos estados nos EUA, como é o caso de Illinois e Ohio implementaram ordens de encerramento de atendimento em suas dependências, visando diminuir a interação social. São permitidas entregas de alimentos feitos por telefone ou online.

Impacto de Coberturas por Acidentes / de Bens

• Não são somente os seguros de vida e saúde impactados pelo Corona Virus. Os seguros ligados à interrupção de trabalho e coberturas de veículos pessoais ou de empresas também passam por reformulações. Tipicamente, as apólices de seguros já tem previsão para não cobertura de pandemias, como a do Corona Virus, mas há casos em que seguradores já estão colocando exceções de coberturas para seguros de veículos, onde a distância percorrida será uma importante variável a ser observada nos próximos meses. Aumento de distância social podem ser medidos pelo número de km rodados, bem como o trabalho remoto (homeoffice) podem indicar uma menor necessidade de percorrer distâncias. O excesso de km percorridos pode vir a excluir algumas coberturas.
• Assim como já aconteceu em outros momentos de pandemia, temos a certeza que vamos superar mais essa. O que não sabemos é quando e quanto vamos perder. Mas temos que nos conscientizar que estamos vivenciando uma época de oportunidades de aprendizado e sairemos fortes depois que tudo passar.