Um grande reencontro... A Medicina na sua essência

Um grande reencontro... A Medicina na sua essência

Estes dias encontrei uma senhora que é minha paciente há quase 20 anos. Que honra e que prazer foi esse encontro, depois de alguns anos sem nos vermos!

Ela não tem a menor ideia do que aquele nosso contato inicial, ainda num dos primeiros plantões da Residência Médica, representou na minha experiência. Não tem noção do impacto que foi quando, na visita com o staff do Serviço de Residência, eu apresentei o seu caso e sugeri o diagnóstico raro que eu acreditava ter realizado apenas com a história e o exame físico ainda do Pronto Socorro, e fui quase ridicularizada pelo "absurdo que estava falando"... Encolhi, na minha pouca experiência, com a "minha ignorância"! Eu realmente desejei estar errada naquele momento.

Infelizmente, eu não estava.

Após alguns dias, houve a confirmação; e a "minha paciente", agora já próxima, foi submetida a um procedimento cirúrgico de grande porte, impactante e mutilante. Coube a mim, residente menos graduada da equipe, realizar os seus dois dolorosos curativos diários, nos quase 30 dias que se seguiram à cirurgia. Buscava forças e criatividade para consolar e amenizar o sofrimento daquela mulher que me enxergava como um anjo de mãos delicadas. Ela acredita que eu a ajudei, mas ela me ajudou muito mais.

Recebeu alta, fez quimioterapia e seguimos nos encontrando nos ambulatórios. Apesar de eu não ser a médica responsável pelo seu caso, ela sempre dava um jeito de se consultar nos dias em que eu estava atendendo junto. Depois que o seu "médico oficial" terminou a residência e foi embora do hospital, passou a se consultar comigo. Os anos foram passando. Ela sempre me trazia uma lembrança das suas viagens e contava-me como gostava de viver intensamente. Viu-me casar. Viu-me sofrer com uma perda irreparável. Viu-me feliz com o nascimento dos meus filhos e, lógico, presenteou-os com muito amor... e gorros e roupinhas.

Infelizmente, passados 10 anos daquele primeiro encontro, novamente tivemos um diagnóstico preocupante e grave. Reiniciou a saga: cirurgia, quimioterapia, radioterapia, nova cirurgia... desta vez, mais grave e incurável... Naquele momento, já estávamos seguindo nossos caminhos um pouco afastadas.

Ela não sabia que eu a acompanhava a distância, torcendo e sofrendo por tudo o que acontecia. Sim, eu buscava informações sobre ela com os colegas que a cuidavam, olhava o seu prontuário no arquivo, mandava lembranças quando possível.

Há algumas semanas peguei-me pensando nela e perguntei a um colega se sabia notícias. Ele, como eu, achava que ela já havia nos deixado, diante da situação que se encontrava na última vez que a examinara.

Estes dias, ao procurar na lista dos internados, o leito de um paciente que eu havia operado, vejo o nome dela. Espantei-me! Fiquei num misto de alegria, curiosidade e receio de encontrar uma paciente em fase terminal e caquética, como me fez pensar o meu residente que falou-me que ela estava em cuidados paliativos. Qual não foi a minha agradável surpresa quando a vejo em bom estado e sorridente, apesar da dor; e com planos a realizar, pedindo para ter alta hospitalar para ir fazer mais gorros para os meus filhos. Está com a doença avançando, mas ela não se entrega e quer viver.

Foi um abraço apertado e fraterno. Ficamos sinceramente felizes de nos encontrarmos. Que força! Que lição! Aquela mulher não é mais apenas a minha paciente (sim, ela voltou a ser novamente!). Não sei quem cuida e quem ensina mais.

Ela é um anjo que veio para me provar, mais uma vez, que existe muita força dentro de nós. Veio para mostrar que a Medicina que eu acredito existe de fato! A Medicina da história clínica e do exame físico bem realizados. A Medicina do ouvir atentamente e do cuidar pacientemente. A Medicina que consola e olha para as pessoas. A Medicina em que o médico também sofre e chora. A Medicina que nos surpreende com o "impossível" e nos faz entender que somos apenas humanos e ainda há muito a aprender!

No dia seguinte, levei um video dos meus filhos mandando beijos e dizendo as cores que escolheram para os seus gorros, conforme ela pediu; e dei alta hospitalar.

Obrigada C... Até o nosso próximo encontro!

Carlos Lehn

Chairman Head and Neck Surgery na Hospital do Servidor Publico Estadual de SP IAMSPE

7 a

Lindo post, Gilmara. São estes casos (dos quais sempre nos lembramos) é que nos fazem seguir em frente, apesar das adversidades!!

Oops... caiu um "cisco" awui no olho... orgulho de vc!

Margareth Reiko Kai MD, PhD

M.D, Ph.D Clinic Director na Neuro Care Medical Services

7 a

Muito obrigada pelo post. Me fez relembrar esse sentimento tão intenso qdo somos jovens e inexperientes. Foram duas pacientes no meu caso. Uma atendi no PS e nunca havia atendido um caso de pneumonia por p carinii. Nunca havia entrado em contato com a AIDS. Como R1, passando pela MI acabei sendo designada para a mesma paciente. Uma senhora de 57 anos Não esqueço ao conversar sobre o diagnóstico as suas palavras. Doutora, o que eu fiz? Só cuidei da minha família, do meu marido e dos meus filhos!!!! Lembro q ao sair do quarto fui ao banheiro e chorei muito, não sabia o que dizer. A outra já na neurologia um caso de AVC em jovem, grave. Ficou meses comigo. Passaram-se mais de 10 anos, então ela me achou na eletromio. Veio me procurar e agradecer por tudo. Contente por eu continuar no servidor. São sentimentos que esquecemos ao longo dos anos. Mas você me fez relembrar como amamos o que fazemos !!! A essência da nossa profissão. Obrigada. Bjsss

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