Um olhar sobre Necessidades, Complexidade e Imaginação do Homem

Um olhar sobre Necessidades, Complexidade e Imaginação do Homem

Admitir que somos autores, apesar da tramoia entre determinismo e acaso que parece guiar nossas vidas, é uma das principais tarefas éticas. O homem, que é um ser de persistências e hesitações, renuncia facilmente à sua condição de autor para se transformar num robô, num plagiário ou numa marionete. Ou num rio, como diria o poeta. As rotinas estão sempre à nossa espera, oferecendo-nos um colo materno, quente e acalentador, onde possamos adotar uma posição fetal e descansar. Podemos nos entregar a esses automatismos regressivos e depois reclamar da monotonia.

Tudo isso tem a ver com o título, porque o náufrago (como o criador) precisa se manter flutuando com suas próprias forças, um no estilo e o outro na vida. Nesse sentido, somos todos náufragos.

"Viver é perceber, tomar conhecimento de que estou submerso, náufrago num elemento estranho a mim, onde o único jeito é fazer sempre alguma coisa para me sustentar nele, para me manter à tona. Eu não me dei à vida, pelo contrário, estou nela sem querer, sem que tenham me consultado previamente ou me pedido licença."

Assim Ortega, um pensador nada lamuriento, descrevia a condição humana. Se, neste exato momento, o leitor estiver se sentindo eufórico, alegre, altivo ou apaixonado (quer dizer, se tiver a sorte de estar morando em algum de nossos oásis vitais), vai pensar que o filósofo, apesar de seu notório otimismo, acabou sucumbindo a alguma chibatada de melancolia ― e então, montado em seu bem-estar, custará a aceitar que sejamos todos náufragos.

Rof Carballo, compilando uma rica tradição da psicanálise e da medicina psicossomática, aponta três necessidades que o homem apresenta desde o início da vida: encontrar respaldo em um grupo, de preferência o familiar; estar submetido a alguém com autoridade; e, em terceiro lugar, a necessidade igualmente imperiosa de ser protagonista, de distinguir-se dos outros. A partir de outras tradições, Habermas reconhece três interesses fundamentais: dominar a realidade, entender-se com os outros e alcançar a autonomia.

Desde Platão até Bertrand Russell, repetiu-se uma metáfora: "O porco quer uma felicidade de porco." John Stuart Mill modificou um pouco a frase: "Prefiro ser um homem infeliz a um porco feliz."


Da complexidade do Homem

Apesar de tantas maravilhas, até as invenções são rotineiras no animal. Os homens, pelo contrário, habitam o reino da diferença, da falta de semelhanças. A vida animal padece de uma grande monotonia, pois cada espécie se caracteriza por um repertório estável de atividades. As abelhas continuam construindo seus favos com a perfeição costumeira, as garças dançam sem perder o ânimo as mesmas danças nupciais, e os chimpanzés ― que, sob a tutela humana, demonstram habilidades linguísticas surpreendentes ― diminuem drasticamente a eloquência quando ficam sozinhos.

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Se levarmos em conta as diferentes formas de viver, de pensar e de sentir que os homens inventaram; se prestarmos atenção na variedade de suas obras, desde as grandes sinfonias até o alfinete; se nos fixarmos nas diferentes formas de reagir e de se comportar, na crueldade e na generosidade, ou nas ricas taxonomias do amor, do desprezo ou do ódio, teremos que reconhecer que o homem produz efeitos heterogêneos utilizando operações mentais análogas. Como escreveu Gracián: "Quem viu um leão, viu todos, e quem viu uma ovelha, viu todas, mas quem viu um homem, viu apenas um, e, ainda assim, sem conhecê-lo bem."


Realidade vs Imaginação

O real não nos basta. Ele nos sustenta, ele nos impulsiona, nos limita, nos dá asas ― mas não nos basta. A inteligência inventa constantemente possibilidades reais, que não são fantasias, mas ampliações que a realidade aceita quando a integramos em nossos projetos. O mar, grande obstáculo, pode se transformar em meio de comunicação. E o ar leve pode aguentar nosso peso, e então podemos voar. A água do rio pode se transformar em luz, e a imponenete montanha, em catedral. A realidade inteira fica em suspenso, esperando que o ser humano acabe de dá-la à luz.

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Então as coisas não são o que são? Depende. Elas são o que são e o que podem ser. E o homem? Também. Somos nossas propriedades reais e o desdobramento imprescindível de nossas possibilidades. Híbridos de realidade e de possibilidade, somos cidadãos partilhados pela realidade e pelo desejo.

As atitudes são matrizes de comportamento, mas de um comportamento muito especial, que consiste em produzir significações. A realidade nua está sempre esperando que a vistam de significados ― e ela deve ser muito pudica, pois só conseguimos vê-la quando já está vestida.


Sobre o Homem e a Sociedade

Costumo explicar essa situação a meus alunos mostrando um desenho de Escher em que duas mãos se desenham mutuamente. A relação do homem com a sociedade é assim, e é bom não esquecer: a sociedade desenha o homem, que, por sua vez, desenha a sociedade.

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Qualquer criança, ifaluk ou espanhola, nasce numa cultura, que é uma interpretação da realidade, e que é representada como "a realidade. Junto com a linguagem, a mãe irá lhe ensinar os planos semânticos e sintáticos da realidade. Mas, como Kurt Lewin observou muito bem, a realidade é um campo de forças. A criança não se vê confrontada com um mundo de coisas, mas com um mundo de coisas percebidas sentimentalmente: ela deseja, tem medo, diverte-se, sente a segurança ou o abandono. A mãe também lhe ensina a maneira adequada de sentir: "As crianças não devem ter medo do escuro", "É preciso amar os avós", "Não seja invejoso".

Certamente, nessa transferência colossal de informações está incluída a moral vigente, que é uma teia de preceitos de procedências diferentes, em que a higiene vem misturada com a perfeição religiosa, e as normas que regem as instituições, com deveres cuja razão de ser já foi esquecida e que sobrevivem quase como superstições.

Todas as morais históricas são o resultado de um período longuíssimo de sedimentação e, como os leitos dos rios, conservam areias de correntezas diferentes. São breviários de soluções, materializações provisórias, tateantes, da inesgotável pretensão do homem à felicidade ― e que o obriga a expandir a inteligência continuamente e a produzir incansavelmente obras novas, sentimentos novos e novas aspirações. Podemos interpretar cada momento histórico como o resultado de um teste de inteligência que nos adverte: isto é a melhor coisa que aconteceu a esta cultura.

Eduardo Gadens

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