Uma análise sobre a real condição do transporte público carioca
Congestionamento na metrópole

Uma análise sobre a real condição do transporte público carioca

Voltava para casa no segundo dia da semana, era um pouco mais de dez horas da manhã, o céu estava bem acinzentado e com aquele mormaço típico de verão carioca, o caminho até a minha residência no centro do Rio de Janeiro necessitava de muita paciência, exigia de mim uma serenidade de pelo menos uma hora e meia.

A primeira segunda-feira útil do ano surgiu um pouco tímida, verifiquei isso logo que cheguei na estação Rio 2 para pegar a minhoca azul, (um veículo longo chamado de BRT - Bus Rapid Transit, utilizado por nós cariocas para circular pela zona oeste com maior rapidez pela região), meu sentido era o Jardim Ocêanico.

O conhecido horário que deveria ser o de pico, estava pouco movimentado, sem filas com pessoas ansiosas para chegar ao trabalho, não havia empurra-empurra e nem o famoso comércio de ambulantes gritando na plataforma.

Logo pela manhã o dia já mostrava um mormaço, previ as condições climáticas para o período da tarde, chuva. Havia lugar vago, pasmem, sobravam assentos demais, por isso pude escolher em qual poltrona me sentar.

Eu que raras vezes transpiro e sinto mais frio que calor, em menos de cinco minutos dentro do BRT notei que a temperatura aumentava assombrosamente, não circulava ar, foi quando fitei a minha volta os passageiros que me acompanhavam durante o trajeto e no primeiro banco, atrás do motorista do BRT, avistei uma mulher que demonstrava inquietação com o calor que fazia dentro da minhoca, se abanava com as mãos ininterruptamente.

A vagarosidade do ônibus também estava me dando agonia, foi quando me dei conta que havia entrado no BRT parador, larguei o celular e comecei a observar outros passageiros demonstrando agonia com a quentura aumentando, não havia opção de abertura das janelas e sem ar-condicionado as pessoas pingavam como se jogassem uma partida de vôlei de praia, porém, com roupa de trabalho.

Foi quando avistei um senhor, especulo que ele esteja na casa dos quarenta anos, se levantou da poltrona, vestido de papai noel, com o uniforme de uma distribuidora de produtos farmacêuticos, devia estar indo ao trabalho, deduzo, porém, me pareceu haver saído de uma sauna ou poderia ter colocado o uniforme com o corpo encharcado de água de tanto suor que saia do pobre.

Fiquei imaginando o sofrimento do motorista dirigindo, o inferno que devia ser para ele estar bem próximo ao motor do ônibus.

Aquele momento dentro do BRT me fez recordar da época que trabalhei na Barra da Tijuca como estagiária de comunicação, na ocasião, à noite, ainda cursava jornalismo na Estácio que ficava dentro do shopping Madureira, uma rotina típica do jovem universitário que necessitava trabalhar para conseguir sustentar os adendos da faculdade.

Saindo da baixada fluminense só havia duas maneiras de chegar ao trabalho (atualmente não sei se por lá algo mudou para melhor). Eu utilizava a integração de ônibus, trem e BRT (lotado, sem ar-condicionado, sem janelas abertas para circular o ar, e claro, de tão espremida que estava, sem ar nos pulmões para respirar) ou tinha que optar pelo ônibus, que assim como outros trabalhadores naquelas condições também escolhiam pegar esse tipo de transporte às cinco e meia da manhã na tentativa de assegurar que seguiria sentado no assento e não no chão durante todo o percurso.

Para chegar ao trabalho utilizando a última opção era como se eu fizesse uma viagem até a região dos lagos sem trânsito, sem engarrafamento o percurso até a Barra da Tijuca era um pouco mais de duas horas, mas nunca havia a opção de “trânsito bom”.

Os fatos relatados acima pertencem ao cotidiano do carioca que depende exclusivamente do transporte público para realizar tarefas essenciais (locomoção ao trabalho, ida ao médico etc.), e fogem dos princípios e objetivos descritos pela Política Nacional de Mobilidade Urbana.

De acordo com o conceito da Política Nacional de Mobilidade Urbana, Lei 12.587/2012, ainda estamos distantes de alcançar os descritivos propostos, dentre eles estão o de contribuir para que os usuários tenham “com qualidade”, maior mobilidade e agilidade em busca de oportunidades de emprego, além de serviços básicos como os de acesso à cultura e lazer, educação e saúde.

A péssima qualidade do transporte público coletivo nos últimos anos, aliada ao crescimento populacional nas periferias urbanas (considerada como a região mais afastada do centro), centralização dos postos de trabalho nas grandes metrópoles e aumento na renda dos brasileiros tem obrigado alguns de nós a escolher o transporte particular como alternativa, causando efeito contrário ao esperado “da qualidade”, pois, com maior volume de carros particulares nas estradas, temos como consequência o aumento do congestionamento nas principais vias de acesso.

Devido à baixa qualidade na entrega do serviço de transporte público, por quê nos sentiríamos estimulados a trocar o transporte individual particular (carros e motos) pelo coletivo?


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