Uma Jornalista na Mediação

Uma Jornalista na Mediação

"A distância mais curta entre duas pessoas é uma história"

Ouvi mais de uma vez: o que uma jornalista faz na mediação? Em um primeiro momento, essa pergunta ficou ecoando em mim com um certo desconforto que logo virou questionamentos. Como usar o que aprendo com mediação? Onde essas duas áreas tangenciam? Em que situações vou aplicar esse conhecimento?

E foi em uma aula com a mediadora e consultora Eva Hirsch Pontes (procure saber sobre ela!) que a ficha caiu, fez a sinapse com outros neurônios e provocou uma reflexão que divido aqui com vocês. 

Eva Pontes subiu todos os degraus da formação acadêmica, mas se apresenta como “alguém que estuda conversas”. E sintetiza ideias como esta: a distância mais curta entre duas pessoas é uma história. Foi escutando isso que entendi em que ponto a jornalista que habita em mim acolheria a mediadora que estava a caminho. E, internamente, como duas colegas que dividem um espaço, percebi que quem gosta de conversas se alimenta de histórias.

Na mediação de conflitos, abrir canais de comunicação para que a conversa possa fluir é uma necessidade que se apresenta a cada sessão. E fazemos isso usando a curiosidade e a escuta atenta sobre as histórias de cada um. Exatamente como faz um entrevistador ao usar perguntas certeiras e que prendem a nossa atenção para ouvir o que o outro vai responder.

Quando duas pessoas estão em conflito, é muito comum que elas deixem de se falar. E sem diálogo as ideias não ganham a chance de brotar. E são elas que poderiam ajudar a resolver ou a transformar um conflito. A conversa é o que torna a comunicação possível e nos faz avançar incorporando o quesito civilidade.

Roteiristas fazem um exercício de descartar a primeira ideia. E não porque ela é ruim, mas porque pode estar viciada, sem frescor. É o que fazemos também quando estamos diante de pessoas em conflito que buscam a mediação. Precisamos abandonar as primeiras impressões e suspender os julgamentos.

E quando você busca um percurso guiado pela pacificação social, percebe que é preciso refutar o primeiro impulso. Gritar com o vizinho, xingar no trânsito, brigar e bater boca são atitudes que saem de uma área bem primitiva do cérebro: aquela que trabalha na lógica de luta ou fuga. O que nos iguala a uma lagartixa, por exemplo.

Mas quando você lida melhor com seus impulsos, aprende a chamar para o debate outras áreas bem mais interessantes. É quando a mente entra em ação para ativar a criatividade, o plano das ideias e gera opções para sair do conflito. 

Poucas vezes na história da jornada humana vivenciamos, simultaneamente, tanta informação e tantas incertezas. E não é preciso ser um estudioso de tendências para ver que neste século vai se destacar, de verdade, quem souber lidar e mediar a solução dos conflitos.

Eu vejo o jornalista como um veículo para levar a informação ao público. E na mediação também existe um protagonismo, mas de outra natureza. Ao mediar um conflito, você tem a possibilidade de atuar na origem dele.

E fico feliz em ver o encontro desses dois mundos: a importância da imprensa, como um dos pilares da democracia para amplificar as pressões e os desejos da sociedade, somada à da mediação, como um novo paradigma que tem base na cidadania e nos Direitos Humanos.

E parece bastante coerente que essas áreas coirmãs nas ciências humanas possam também ajudar quem é das ciências exatas. Como? Ambas se valem de técnicas que se complementam para dar sustentabilidade nas relações. Juntas, têm poder de aumentar a potência do que está sendo construído entre duas pessoas. Além disso, geram um efeito positivo no que vai ser erguido depois do entendimento. Aqui me refiro mais diretamente às relações continuadas, sejam elas profissionais, familiares, escolares ou de vizinhança, por exemplo.

Vale sublinhar, por fim, que a mediação de conflitos no Brasil, ao contrário de outros países, está bastante atrelada ao sistema judiciário. No entanto, já podemos ver um caminho sendo trilhado para que ela ande com pernas próprias. O poeta Drummond dizia que “As leis não bastam, Os lírios não nascem da lei”. Se não faltei às aulas de interpretação de texto, entendo que não podemos dispensar as leis e sim agregar outras práticas a elas. É um lembrete para levarmos na bagagem as leis e outros instrumentos de garantias e de mudança social.

Se hoje me perguntassem o que faz uma jornalista na mediação eu já teria um rascunho inacabado para oferecer: escuto e ajudo pessoas a fazer com que elas se escutem e possam entrar e sair dos conflitos sem perderem o que nos faz únicos entre as espécies do planeta: a humanidade.

Lisia Palombini é mediadora, jornalista e mídia-educadora. Formada pela Câmara Equilibre, atua como mediadora judicial desde 2019 no Cejusc/Capital e no Jecrim/Leblon, no Rio de Janeiro. É uma das realizadoras do podcast Escutativa, um papo de mediação. Pode ser vista na telinha no Canal Futura com o programa Acerte o Passo e na Globoplay.

Texto escrito a convite da Rede Mediar http://pactocontraaviolencia.niteroi.rj.gov.br/2021/02/23/desatando-nos-uma-jornalista-na-medicao/


Elaine Palmer. Interseções

Gestão de conflitos pessoais e organizacionais I Mediadora I Advogada I Conselheira I Mentora de Negócios e de Carreiras | Fundadora da Interseções Consultoria em gerenciamento de conflitos

2 a

Sensacional. Agora entendi porque quase fiz jornalismo. Me fez refletir… obrigada por isso!

José Pedro Villalobos

Diretor de Jornalismo e Programação - Ulbra TV e Rádio Mix FM Poa

3 a

“O que nos iguala a uma lagartixa, por exemplo.” Thanks. Me sinto representado. Pela forma do texto, o uso sutil do humor. Pensando bem, pela lagartixa também. Eu gosto delas. Comem mosquitos, por exemplo.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos