Uma Vitória da persistência contra deslizamentos
Tragédia anunciada ou não, o desastre que assolou o litoral paulista, mais especificamente a região de São Sebastião, comoveu o país. E mais uma vez nos perguntamos: Isso não poderia ter sido evitado? Por que as ocupações irregulares continuam a se multiplicar? Por que a fiscalização não atua?
Em tempos de mudanças climáticas que acentuam os efeitos das chuvas e das estiagens, torna-se mais que necessário o diagnóstico preventivo e intervenções definitivas nas áreas de risco.
Por outro lado, precisamos refletir sobre os avanços em termos de soluções para os problemas de planejamento e gestão das áreas de risco ao longo dos anos, e enfatizar casos que podemos considerar de sucesso. Vou dar um depoimento do que vivenciei em Vitória ao atuar no serviço público.
São 30 anos em que a gestão municipal, independente de questão partidária, efetivou investimentos nas áreas de risco mapeadas ao longo desses anos. Fui testemunha, pois fui executora de diversas dessas ações.
Tudo teve início com a tragédia de 1985, com o deslizamento do Morro do Macaco, afetando a ocupação desordenada que estava instalada no bairro de Tabuazeiro. Uma pedra rolou da encosta deixando um rastro de destruição, 40 pessoas morreram e 600 famílias ficaram desabrigadas em uma madrugada chuvosa de janeiro. Muitos barracos desapareceram e muitas famílias tiveram que ser alojadas em outros municípios. No município de Serra, mais de 200 famílias foram transferidas para um empreendimento em construção, através da parceria com o poder público, considerado aqui uma importante medida de enfrentamento do desastre ocorrido.
Este desastre impulsionou ações de prevenção através de um plano de mapeamento das áreas de risco e suas ações para solução dos problemas existentes nas muitas encostas de Vitória, além da estruturação e fortalecimento da defesa civil.
Paralelamente, era importante mapear também as áreas ocupadas irregularmente por palafitas às margens da baia oeste desde o bairro Andorinhas até Santo Antônio, passando pelos lixões a céu aberto nos mangues de São Pedro. Os desafios eram enormes naqueles primórdios dos anos 90. Enfrentá-los necessitava de planejamento, capacidade de gestão, equipe capacitada e recursos financeiros.
Durante a década de 1990, o esforço e os investimentos se concentraram na região de São Pedro, na retirada dos lixões, na implantação de um sistema de tratamento do lixo com a implantação de uma usina de reciclagem, na urbanização dos bairros, com a infraestrutura de pavimentação de vias, redes de drenagem, água e esgoto, implementação de equipamentos públicos de saúde e educação, e delimitação e desocupação das áreas de risco com garantia de condições de habitabilidade e segurança da população ali instalada. Foi a vitória também da preservação do manguezal, com a implementação de políticas ambientais de conservação.
Mas era preciso fazer mais, estabelecer limites para as ocupações garantido qualidade de vida para quem vivia nas encostas. Também concluir o cinturão da baía de Vitória extinguindo de uma vez por todas as palafitas que ainda ocupavam a baía oeste. Assim, mais de duas décadas de investimentos públicos em infraestrutura básica, delimitação das áreas de risco, realocação de famílias, aliado a determinação do poder público garantiram o que hoje é a realidade, mas que na década de 90 era apenas um sonho.
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Não quero dizer que ainda não existem situações de risco, pois é importante frisar que por melhor que seja o controle sobre estas áreas, ainda existirão problemas com ocupações irregulares, haja visto o crescimento populacional e a baixa oferta de novas habitações. Mas não temos observado desastres como o que vivemos no Morro do Macaco.
Informações divulgadas pelo Ministério de Desenvolvimento indicam que existe um déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias no Brasil. Dados do IBGE, divulgados em 2020, mostram que mais de 5 milhões de domicílios no país estão em assentamentos irregulares.
Além disso, vivenciamos os efeitos das mudanças climáticas que acentuam os desastres, ocasionados por inundações, vendavais, granizos, deslizamentos, estiagens e erosões marinhas. Dentre esses, o relatório da Defesa Civil do Espírito Santo de 2000 a 2009, destaca a inundação brusca como o desastre que ocorre com mais frequência no Estado.
O clima é condição necessária para a tragédia, mas não suficiente. Para uma tempestade incomum virar um desastre humano, as condições meteorológicas anormais precisam se encontrar com ocupações humanas em zonas de risco. No caso dos verões brasileiros, isso também é previsível. “Parece um filme de terror que vemos todos os anos”, diz o climatologista José Marengo, do Cemaden.
Esta é a triste realidade vivenciada pela maior parte dos municípios brasileiros. Ocupações irregulares se multiplicando sem que os gestores consigam enfrentá-las por motivos de incapacidade em algum sentido, seja pela falta de planejamento e gestão, falta de controle e fiscalização, escassez de profissionais capacitados, oferta de habitação, ou inexistência de recursos financeiros. E as consequências desta incapacidade se refletem nas ocupações desordenadas onde a população ali instalada à revelia sofrerá mais comumente as consequências dos desastres naturais.
Para mudar esta realidade, a exemplo de Vitória, os gestores dos municípios brasileiros onde as áreas de risco estejam mapeadas ou não, precisam ter como prioridade um olhar para estes locais, com empenho e resiliência na resolução dos problemas que afetam socialmente, psicologicamente e fisicamente uma gama imensa da população vulnerável.
Autor: Tereza Romero é Diretora-Presidente do Ideias
Engenheira sanitarista e ambiental e de segurança do trabalho
1 aObservações muito relevantes para um problema real e mais comum do que muitos podem imaginar!