Uso de Inteligência Artificial na aprendizagem: uma visão de copo meio cheio, meio vazio

Uso de Inteligência Artificial na aprendizagem: uma visão de copo meio cheio, meio vazio

Fazendo uma pesquisa rápida sobre o uso de IA generativa na aprendizagem - numa visão de quem produz aprendizagem e não de quem consome (essa é outra discussão) - é possível se deparar com diversos artigos e vídeos citando benefícios e casos de uso que vão desde geração de planos de estudo personalizados, criação de banco de questões e apoio na correção dos exames.

Eu mesma sou uma entusiasta de IA - e não teria como não ser, pois trabalho em uma empresa que tem produtos e soluções baseados em IA - e estou no processo de mapear, dentro da minha atuação como gerente de aprendizagem corporativa, atividades que podem ser realizadas com IA e testá-las.

Para começar essa jornada, selecionei a atividade de mapeamento de habilidades de cargos. Essa visão por habilidades pode alimentar tanto a criação de jornadas de aprendizagem completas, de onboarding e ongoing, quanto servir de base para outras saídas, como descrições de cargo para recrutamento e seleção, avaliação de desempenho etc. Com as habilidades mapeadas, faço correlação entre elas, solicito objetivos de aprendizagem utilizando a taxonomia de Bloom como metodologia e, por fim, solicito um mapa de conteúdo. Ainda quero testar a criação de soluções de aprendizagem utilizando a metodologia 6 disciplinas e o modelo 70:20:10.

Antes da IA, para chegar nesse mapeamento de habilidades era necessário análise de descrição de cargo, entrevistas com lideranças e encontros colaborativos com uma amostra do público-alvo. Importante dizer que eram investidas horas e horas de coleta e análise de informações. 

Com a IA, também não é tão simples, pelo menos não no momento do processo em que me encontro: em busca do prompt perfeito. E é aqui que entra a base para tudo: estruturação de prompts (termo usado para se referir aos comandos dados às ferramentas de IA generativa). É preciso testes e testes para entender o detalhamento de contexto necessário para que as respostas sejam satisfatórias. A máxima “garbage in > garbage out” é verdadeira: quanto menos contexto, menos qualidade da resposta. E mesmo com um prompt alinhado com as melhores práticas de especialistas, uma análise humana sobre a resposta para uma mineração daquilo que faz sentido ainda se faz necessária, mas posso concluir que ainda é uma tarefa menos desgastante e mais ágil do que a minha experiência anterior ao uso de IA.

Assisti recentemente um vídeo do Átila Iamarino sobre o uso de IA na educação. Neste vídeo ele apresenta uma visão negativa da aplicação, numa visão de copo meio vazio, focando mais nos erros do que nos acertos da tecnologia. Vale ressaltar que são pontos válidos e que merecem evidência e discussão, por isso o destaque neste artigo. Vou apresentá-los em formato de resumo mais a frente e depois a minha análise sobre eles.

Mas, antes, vou criar um parênteses rápido para contar um pouco como utilizei a IA em duas etapas para criar o resumo do vídeo:

  1. Transcrição do áudio do vídeo por meio de extensão do navegador.
  2. Criação de prompt para obtenção do resumo. O comando dado foi o seguinte:

<Você trabalha com educação corporativa e está escrevendo um artigo falando sobre o uso de inteligência artificial na educação e quer usar o vídeo do Atila Iamarino como contraponto da sua visão. Resuma a descrição do vídeo transcrito abaixo, trazendo, em até 5 bullets points, quais são os principais problemas apontados>

Se eu tivesse feito igual aos incas e aos maias, ia demorar um tempo considerável para resumir  - o vídeo tem quase 30 minutos - mas o tempo que eu levei para realizar essas duas etapas foi menos de 3 minutos!  Vale dizer que como eu já havia assistido o vídeo por inteiro, consegui avaliar que a saída foi satisfatória para ser publicada aqui. 

Segue o resultado do prompt e a visão do Átila Iamarino:

  1. Erros e Alucinações: a IA, especialmente os grandes modelos de linguagem como o ChatGPT, frequentemente gera erros e alucinações (informações inventadas) que podem ser difíceis de detectar, especialmente em contextos educacionais específicos e menos representados nos dados de treino.
  2. Substituição da Tutoria Humana: a IA não pode substituir a tutoria e a interação humana, que são essenciais para o processo de aprendizagem. A relação entre professor e aluno é fundamental e não pode ser replicada por máquinas.
  3. Vieses e Discriminação: modelos de IA podem reproduzir e até amplificar vieses presentes nos dados de treino, resultando em discriminação contra grupos específicos, como minorias étnicas e de gênero.
  4. Qualidade da Educação: há um risco de que a adoção de IA na educação seja motivada mais pela redução de custos e aumento de lucros do que pela melhoria da qualidade educacional. Isso pode levar a uma educação de menor qualidade, especialmente para populações já vulneráveis.
  5. Dependência e Falta de Autonomia: o uso excessivo de IA para gerar respostas prontas pode prejudicar o desenvolvimento do pensamento crítico e da autonomia dos alunos, que podem se tornar dependentes dessas ferramentas sem entender suas limitações e erros.

Agora, minhas considerações sobre esses pontos e como eu tento contorná-los durante a minha interação com a IA, defendendo por meio deles porque meu copo ainda está meio cheio, meio vazio:

  • Curadoria de respostas: depois de receber uma resposta, avalio se ela precisa de mais detalhamento (é indicado a interação em blocos), solicito defesa das respostas, conectando com as fontes apresentadas, e faço a limpeza dos dados identificados como irrelevantes. Já recebi algumas alucinações no modelo antigo, atualmente estou usando o GPT 4o.
  • Colaboração com IA: a minha opinião é que a IA não substitui uma figura humana em uma experiência colaborativa de aprendizagem, mas complementa essa jornada. Precisamos ser cautelosos em prever que somente a IA será responsável pela educação no futuro, excluindo o envolvimento humano neste processo. Entendo que o ideal é um esforço combinado entre humano e máquina. Um exemplo pessoal: meu inglês estava bem enferrujado por falta de uso e estou aplicando um plano de estudo que inclui tanto aulas particulares com professor quanto o uso de um aplicativo que usa IA para conversação, no qual eu interajo em tempo real com a IA sobre temas de meu interesse e ela responde e continua a conversa de acordo com as minhas respostas. Também recebo feedback de gramática e de pronúncia.
  • Atenção aos detalhes e vieses: se a resposta vier com viés, conserte durante o processo de revisão. O modelo é treinado com os vieses que ele encontra. Isso ainda fala mais sobre nós, humanidade, do que sobre as máquinas que reproduzem aquilo com que foram treinadas.
  • IA é uma ferramenta: não vejo como um fator negativo a utilização da AI para redução de custos e aumento de eficiência. Seria ingenuidade da nossa parte achar que estes não são os drives que movem o mercado de trabalho no qual estamos inseridos. Se é possível ter uma ferramenta que pode me ajudar a realizar minhas atividades em menos tempo, por que não usá-la? Agora, o uso de uma IA de baixa qualidade para populações vulneráveis é um ponto de muita atenção, sem dúvida. E para essa questão, até por atuar num contexto de educação de colaboradores de uma organização, não tenho respostas, mas prometo ficar atenta.
  • Pensamento crítico e autonomia dos alunos: essas são questões que estão sendo discutidas há muito tempo dentro do contexto educacional e não dá pra colocar a culpa somente na IA quando o nosso próprio modelo de ensino, em sua maioria, ainda está pautado em educação bancária, onde o professor é o único detentor do conhecimento enquanto os alunos ficam passivos, sentados em fileiras, escutando aulas expositivas. É preciso ter cuidado para que a nossa interação com a IA não replique esse modelo. Mas se quisermos que os alunos se comportem de outra maneira, temos que mudar a relação deles com a educação desde a base.

Outro ponto importante que precisa de atenção ao interagir com IA é a segurança da informação. Os dados incluídos no comando são armazenados no “banco de dados” do modelo utilizado. Informações sigilosas e sensíveis precisam ficar de fora, principalmente em usos corporativos. Na empresa em que eu trabalho foi criada uma plataforma interna para o uso da IA generativa para evitar o vazamento de informações e isso tem facilitado muito a minha experimentação.

Enfim, vou continuar a minha busca pelo prompt perfeito e de resultados incríveis para que eu possa de fato “encher meu copo”. Espero que logo menos eu possa compartilhar mais sobre essa experiência por aqui. 

Priscila Oliveira Ferreira

Contadora & Estudante de Sistemas da Computação

2 m

Como estudante utilizo muito IA para as minhas dúvidas,mas se não tiver da minha parte um olhar crítico sobre as informações que estou recebendo de nada adianta a ferramenta, se não para propagar o mesmo estilo de educação bancário. Quem se utiliza da ferramenta diariamente sabe que as "alucinações" são normais em seu uso, é preciso ter criticidade antes de transformar os dados gerados em informação de verdade !Ótimo artigo Marcia!

Douglas Passos Linhares

CTO @ Semente Educação | Uno tecnologia à educação para ajudar a desenvolver pessoas | Socioemocional | LLM | Dados

2 m

Gostei da reflexão. Realmente a engenharia de prompt tem um papel fundamental nesse processo e invariavelmente é uma questão de tentativa e erro + "fine tuning". A IA, no momento em que estamos, está aí para acelerar e impulsionar nossa forma de trabalhar, longe de pensarmos em "substituição". Um ponto que foi abordado e que eu volta e meia fico refletindo é sobre a dependência. Isso é muito real. Eu uso muito IA no dia a dia para muitas coisas e às vezes tenho a sensação de não conseguir mais fazer as coisas sem a ajuda dela... Me policio pra continuar exercitando raciocínio e pensamento crítico, mesmo quando estou escrevendo um prompt ou validando uma saída gerada pela IA.

Caio Calado

Conversation Designer and Community Manager

2 m

Muito boa essa reflexão! Importante também!

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