A vala social
Já se vai um bom tempo desde a última vez que escrevo algo pelo simples fato de escrever. Mas acontecimentos recentes trouxeram à superfície um problema que já vem boiando na nossa cara há alguns anos, e que já até se tornou lugar comum, batido e surrado: o abismo que aberto pelos smartphones entre nós sob o falso pretexto da aproximação e da sensação de que 'estamos todos sempre conectados'.
Não estamos conectados. Pode ser que um de nós esteja mal de saúde. Outro trocou de carro. Alguém foi contratado, ou está em vias de, ou quer pedir as contas. Tem gente trocando de faculdade, de namorada, de casa, de visão política, de time de futebol. Problema em casa? Tristeza? Alegria? Paixão? Ninguém mais sabe! Vivemos nossas vidas em segredo. Não trocamos mais informação, não pedimos conselhos, ajuda muito menos. Não nos preocupamos mais em como estão nossos amigos. O que eles querem, o que podemos fazer, o que podemos planejar. No entanto estamos todos os dias online. Trocamos algumas piadas, compartilhamos vídeos, fotos, montagens e piadas feitas por alguém que sequer conhecemos. Nossa risada mais intensa é o "HAHAHAHAHAHA", quando na verdade estamos só olhando com cara de paisagem para a tela do telefone. Chateação é melhor omitir, guardar pra si. Sofremos sozinhos. Estamos distantes.
E longe de mim pensar que vamos nos livrar dessas amarras e acabar com esse abismo, até porque sei que isso não irá acontecer. A tecnologia, os celulares, as redes, elas vão continuar crescendo, e muito mais rápido do que eu escrevo esse texto. Não iremos mais largar esse osso porque já somos reféns dele. Eu, você e todos nós.
Mas podemos ao menos retomar a humanidade das nossas relações. O bom e velho "hoje foi foda, briguei com o Frederico no trampo, aquele filho da puta, o que vocês fariam?" ou o "galera, to apaixonado me ajudem aí" e até mesmo o clássico "caras, fiz merda...". Isso não é pedir demais. Aliás, pedir isso é redundância. Isso já é nosso, sempre fomos assim. Não faz muito tempo discutíamos todos estes tópicos, um a um, em mesa de bar, com direito a réplica, tréplica e afins.
Já que não podemos vencê-lo, podemos ao menos utilizá-lo a nosso favor. Claro que depois desse texto alguém vai escrever alguma merda ou mandar um meme da Dilma, mas pensem sobre isso. Sobre como o mesmo que desagrega pode agregar.
Vamos estreitar a vala social!
*ps, pra quem curtiu as fotos, o trampo é do fotógrafo Antoine Geiger.